Churrasquinho Grego (com Mário Bortolotto)

Nos “andares e caminhares” pelo Centrão de São Paulo, por motivos profissionais ou amadores - é que o andar amador pode ser, por exemplo, a não obrigação de fazer compras e não ficar “irado” com a dificuldade de andar pelas ruas e filas do Mercadão - há certas paradas quase obrigatórias, a depender do gosto, para observação, apreciação ou experiência do que é oferecido.

No meio das ofertas de sutiãs e calcinhas, enchimentos de silicone, aparadores de pelos de nariz, descascadores de abacaxi e outras centenas de “ching lings”, reina o soberano “falem bem ou falem mal, mas falem de mim” Churrasquinho Grego. A minha nutricionista diz para passar longe porque aquela carne gordurosa é que aumenta o meu colesterol ruim, a doutora da Secretaria da Saúde porque não sabe a origem da carne, e a outra doutora, da Secretaria de Higiene, porque fica exposta a poeiras das ruas e “fuligens” dos carros.

Mas “a carne é fraca” e por volta do meio dia, não deu mais para resistir e parti para a apreciação, já que experiência eu tenho. Correm notícias que algumas pessoas morreram após o teste e nada é muito comentado pois o lobby dos proprietários de churrasquinhos deve ser muito forte e a imprensa não divulga. Com o “quitute” na mão e um copo de suco - tenho direito a dois grátis - que não passa de uma água torneiral com algum tipo de pó colorido (imagino, pois sabor não tem) nas cores laranja e outra tipo vinho para que seja identificado como de uva, fico na observação dos incautos que já chegam perguntando quanto custa. O churrasqueiro só aponta para a enorme placa acima, com o preço e o acompanhamento. Então os incautos começam a fazer perguntas sobre o tipo de carne, como é o tempero, quanto tempo precisa para ficar no ponto. O churrasqueiro apenas dirige o olhar em câmara lenta para o cliente (geralmente uma mulher) com “aquela cara”, continua a cortar as fatias e pergunta: - “vai salada?”, se não houver resposta imediata repete a pergunta e se a indecisão continuar entrega a carne dentro do pão envelhecido, envolto em um minúsculo papel daqueles de antigamente em que os açougueiros usavam para embalar carnes, e inicia o atendimento a um novo cliente.

Teve uma vez que saí de perto, pois o olhar do churrasqueiro me fez lembrar os versos do Paulo Vanzolini e eu não quis ser testemunha para uma “cena de sangue num bar do Centrão”. Mas se o incauto ficar sem a salada não perde nada, pois é uma colherzinha de cebola picada com tomate. Eu imagino como deve ser a escolha do churrasqueiro: primeiro requisito, ser muito mal humorado. E se souber “trabalhar com a faca” está contratado.

Tenho uma teoria a respeito das possíveis mortes ocorridas, depois de pessoas terem comido o churraquinho: os “marinheiros de primeira viagem", que relatei acima e que fizeram muitas perguntas, mas como não fiquei para testemunhar... eu estou vivo e, como diz o dito popular: “o que não mata engorda”.

Ah! Fernanda, viajei de novo? Eu sei. Era só para apresentar o texto do Mário Bortolotto?Não carecia de tanta conversa? Chega de enrrolação? ... Mas você demorou para me interromper, né?.

Bem, o Mário escreveu, a pedido da Revista da Folha, um texto sobre comida “trash” em São Paulo, que infelizmente não foi publicado. Mário Bortolotto é dramaturgo, ator, diretor teatral, faz a iluminação e trilha sonora das suas peças, é escritor, poeta, tem uma banda de rock... ufa! E ainda consegue tempo para apreciar o “delicioso pitéu”. Então bom apetite, digo, boa leitura.

MEU ALMOÇO NO ONASSIS
Mário Bortolotto

Dentre as inúmeras opções gastronômicas de sabor indubitavelmente apetitoso que o Centro da Cidade nos oferece, o insuperável Churrasco Grego paira solene e majestoso acima de todos os outros. Ele está lá, sedutor em cada esquina, no seu espeto vertical, chamariz dos apreciadores de um autêntico trash food. Um sujeito, geralmente mal encarado corta lascas de carne gordurosa com o seu facão e tasca dentro do pão. Pega salada com uma colher de dentro de uma gaveta, arremessa dentro do sanduíche e está pronto. Há a opção de tomar o suco (que é grátis), abusivamente aguado e de aparência mais que duvidosa. Aliás, tudo é duvidoso quando tratamos do pitéu polêmico a que me refiro. Quando estive em Paris, pude apreciar o churrasco grego de lá na companhia do meu amigo, o Dramaturgo Roberto Alvim. Tal cena dantesca foi registrada em vídeo e sob protestos pelo Dramaturgo Bosco Brasil. E posso garantir que não há comparação. O da Praça da Se e Centro da Cidade é muito mais saboroso. Quando tive um sebo de discos e livros na Galeria da 24 de Maio, comia churrasco grego todos os dias (era o que a nossa condição financeira permitia) e tive a idéia com meu sócio Leonardo Leon, de comprar um ponto e máquina para ingressarmos no fabuloso e misterioso mundo da carne que gira verticalmente e hipnotiza os transeuntes incautos. A idéia era batizar o nosso churrasco grego de "Onassis", aí quando um cara tivesse a fim de convidar uma garota para almoçar e não estivesse com as finanças em dia, bastava ele dizer: "Ei, garota, vamos almoçar no Onassis", e a pobre iludida iria aceitar, mal sabendo ela do que se tratava o convite feito com tal cafajestice. Não quero fazer aqui apologia do churrasco grego, não quero incitar ninguém a provar de tal acepipe, mesmo porque já ouvi falar de pessoas que morreram intoxicadas depois de provar esse quitute divino. Eu tive sorte e ainda estou vivo. Tudo o que posso dizer é: Se me convidam pra comer um sashimi em casa, não penso duas vezes. Passo no Churrasco Grego mais próximo e levo um prá viagem. Peixe cru? Que bizarrice! Tô fora!
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