Óia o trem...

É impressionante o fato de que um País tão grande como o nosso não tenha uma malha ferroviária para atender as necessidades mínimas. Por conta deste descaso, aqui vai o meu “causo”.


Tenho em minhas memórias, e sempre que escrevo aqui faço questão de envolvê-las na história, um punhadão de lembranças que passam por algum trilho de trem. Da tenra infância sentado à beira da Sorocabana lá em Cerqueira Cesar, bem em frente da casa da minha avó, brincando com os pregos dos dormentes às viagens noite afora nos trens. É uma lembrança forte, viva, que traz de volta a alegria de ouvir o apito daquele trem chegando, passando, trazendo e levando.

A vida alí era em muito regida pelos horários daquele trem, aquele montão de vagões cheios de sei lá o quê ou de gente, tão bonito de se ver e ouvir. Os sons estão profundamente guardados dentro de mim e trazem muita saudade, já que não existem mais. A Sorocabana, que virou FEPASA na década de 70 acabou, está tudo destruído e tristemente abandonado, como tudo que cai nas garras de nosso Governo Federal .


Talvez pela vida pacata daquelas pequenas cidades, era um acontecimento a cada apito. Nunca me cansava de ver, nem de contar os vagões dos cargueiros, aqueles “compridões”. Minha mãe conta que quando era criança, pés descalços, visitava os vagões na parada que o trem fazia alí em C Cesar para vender os ovos caipira aos passageiros, e sei que ela também tem uma triste nostalgia destes tempos difíceis.


A criação da Fepasa em 1971 surgiu da fusão de cinco ferrovias (EF Sorocabana, Cia. Mogiana de EF, Cia. Paulista de EF, EF São Paulo-Minas e EF Araraquarense. Com a “Reorganização” do transporte metropolitano de subúrbio em 1994, houve a criação da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), devido a uma cisão da parte de subúrbio da antiga Sorocabana da Fepasa. Em função do acordo de renegociação da dívida do Estado de São Paulo em 1998, a Fepasa foi vendida à União, sendo incorporada à Rede ferroviária Federal S.A. (RFFSA) sob a denominação de Malha Paulista.




A Sorocabana também cortava a fazenda dos meus primos (os Sbais de Batista Botelho) bem no meio, e a gente tinha que acordar bem cedo prá “apartar” as vacas lá dos pastos do lado de lá dos trilhos até o mangueirão do lado de cá. Isto se fazia lá pelas 5 da manhã, frio, os cavalos e a gente soltando aquela “fumaça” ao respirar. Depois me perguntam porque gosto tanto de chapéu, acho que tá ai uma das explicações. Para se passar da invernada do lado de lá dos “trio” pro lado de cá, tinha um tunel por baixo da linha. É impossível apagar de minha memória estes momentos, montado no meu cavalo alazão na companhia dos outros “peões”. O leite era tirado e já tomávamos ali mesmo na mangueira , naquelas canecas de ferro esmaltado. Isto se fazia diáriamente, chovesse ou fizesse sol, de domingo a segunda.


Ir prá lá também só se fazia de trem, pois carro era raridade em famílias de classe média ou até pobres como a gente. Passava horas na plataforma do “Pulman Super Luxo”, que é a junção de dois vagões, que balança gostosamente em desalinho e que tinha uma porta prá botar a cabeça prá fora, feito cachorro a passeio. O vento na cara, os postes passando e aquele “toró toró” que as rodas faziam ao passar na emenda dos trilhos. Só quem viveu sabe que bom é isto na cabeça de um moleque afeito ao mato, ao luar, às estrelas, e a bicharada da paisagem. Nos vagões ia de tudo, galinhas, carneiros, porcos e gente, simples e feliz.

Os mais abastados iam de primeira classe ou até de leito. Tinha uma cabinezinha, com duas camas em formato de beliche e até banheiro individual, um luxo que muitos brasileiros poucas vezes viram.

O trem saia da Estação Júlio Prestes em São Paulo, que agora virou Sala São Paulo, coisa de shows e festas que só gente rica entra, como na cabine dos trens. Antes era o contrário, pode? Pois é assim mesmo esta vida, tudo acaba na mão dos afortunados. Lembro-me de ir até Presidente Prudente, uma viagem que durava umas 20 horas. Esta foto ai abaixo mostra minha família, ainda na década de 80 na estação de Batista Botelho (que não existe mais, como também várias das pessoas que estão na foto).


Bom , prá quem gosta mesmo de trens como eu, existe o museu da Sorocabana, uma visita mais que recomendável.





Situado em Sorocaba - SP, o "Museu da Estrada de Ferro Sorocabana está instalado num casarão construído em 1910, que abrigava engenheiros e supervisores ferroviários. Seus tijolos foram confeccionados pelos próprios funcionários da ferrovia e as telhas foram trazidas de Marselha, na França. Em seus 14 cômodos, encontram-se objetos e relíquias históricas da Sorocabana. No porão, maquetes de trens históricos ajudam a compor o cenário da estrada de ferro que tanto ajudou o homem a conquistar a terra e transportar suas riquezas. Restaurado minuciosamente pela equipe da Secretaria de Recuperação de Bens Culturais do Estado de São Paulo em parceria com a Funap - Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel, a Prefeitura Municipal de Sorocaba e o IPH - Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico no Estado de São Paulo, este bem cultural foi inaugurado pelo Governador Mário Covas em novembro de 1997." (Fonte: Relatório Nossa Caixa, 1998).

Quem gosta destas histórias de trens e de interior precisa um dia vir ter comigo. Sempre que toco minha violinha este mundão de Deus, conto uns causos de trens e faço um arranjo meu que mistura o “Trenzinho Capira” de Villa Lobos com Raul Seixas – “Óia o trem” . Piui prá nós, ô trem bão

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