"...êsse Itaim Paulista de dentro de mim..."

Não foi uma simples idéia, um convite, ou uma obrigação e sim a necessidade de novos contatos profissionais. Ir até o Itaim Paulista não é tão simples, quer dizer, não tão simples quando se usa o transporte coletivo ("um direito do cidadão, um dever do estado"), o que demanda uma logística maior para esta viagem. O cliente, ao saber do meio de transporte que utilizo, achou melhor passar algumas orientações necessárias para uma boa chegada.
estações de trem e metro do Brás

- "Se vier de ônibus vai demorar mais de duas horas, então faça o seguinte: vá de metrô até o Brás, tome o trem destino Calmon Viana, desça na quinta estação que é a I
taim Paulista, procure a saída Marechal Tito, ande três quadras e na avenida tome o ônibus 273X Jardim das Oliveiras, mas preste atenção que tem vários Jardim das Oliveiras, é o 273X que é mais rápido e passa mais perto. Desça no penúltimo ponto antes do final e ai é só perguntar que a rua é conhecida




Ufa!. Na estação Brás, da plataforma do metrô para a do trem passa-se por uma catraca, que permite o aproveitamento da mesma passagem, e conduz ao enorme e largo corredor com lojas (corredor e lojas de shopping um bastante austero) de salgados, doces, refrigerantes, comidas, cds, roupas, brinquedos, óculos e outras que não dá para registrar pois é preciso estar "atento e forte" às placas que levam à plataforma, a 7, - que é a última - e ao mesmo tempo cuidando para evitar “encontrões” com os outros passageiros. O vagão é relativamente bem cuidado, embora sem ter a mesma manutenção dos do metrô.
estação de trem Itaim Paulista
Passageiros dormem nos bancos e muitas crianças com as mães, que também dormem, ficam meio que perdidas durante o trajeto. É o início de um filme, visto pelas "telas" das janela s do trem, apresentando os prédios das fábricas e industrias - alguns abandonados e que foram importantes para o crescimento dos bairros, as casas em constante aumento", a juventude em cima das lages, conversando, bebendo, empinando pipas (no meu interior eram papagaios), talvez por falta de escolas, de trabalho.



fábricas da região Brás-Belém
Enormes diferenças entre o Brasil Real e o Brasil Oficial sempre lembrado por Ariano Suassuna. É o realismo tão próximo que nem o cinema de Antonioni ou o cinema novo de Glauber Rocha conseguiriam retratar. O filme é rápido, os quarenta minutos entre a estações.
internet grátis estação de trem Itaim Paulista

Ainda dentro da estação Itaim Paulista um exemplo dos contrastes do nosso Brasil: uma sala com diversos terminais de computadores para trabalhos escolares, impressão de textos, envio de currículos e acesso á internet. Serviços gratuitos oferecidos pelo poder público. E a minha amiga Mônica, que mora na Suíça, e não possui computador em casa tem dificuldade de acesso, tanto pelo alto custo como por falta de oferta pública.




Na Avenida Marechal Tito tem início a sessão de teatro, o das ruas. O palco é as calçadas que nunca foram reformadas, ocupadas por buracos, barracas de camelôs, as pessoas e s
em espaço para passeio com cachorrinhos de "fina espécie". Os estabelecimentos comerciais, sem iluminação planejada e arquitetura moderna, sem portas de vidro e por isso sem ar condicionado, pois os especialistas em marketing e vendas afirmam que as pessoas simples (não ousam dizer da periferia) recusam-se a entrar em lojas com estas comodidades. Os vendedores podem não ter o charme dos Johns e Marys, mas a "fina estampa" e o "discreto charme" dos Rosivaldos e Gessivanias.
praça do Itaim Paulista

O ônibus, finalmente o ônibus, onde os passageiros se conhecem, cumprimentam motorista e cobrador, trocam confidências, carregam sacolas de supermercados, falam alto entre sim e com os filhos. As ruas continuam mal conservadas, as casas continuam em "reformas". Bares, quitandas, pequenas lojas de materiais de construção disputam o comércio com estabelecimentos religiosos das mais variadas denominações.



Cumprido o compromisso profissional Seu Roberto convida:
- "Já é meio dia, se você for agora não vai almoçar e vai ficar com fome até chegar em sua casa. Vamos almoçar.
Ao passar em frente a uma padaria Seu Roberto desce para comprar coca cola
light, já que no Cumbuca, o bar do Pernambuco para onde vamos, tem apenas a tradicional. Como na padaria também não tem ao passar em frente a um barzinho pergunta, de dentro do carro, para a dona:
-"Tem coca cola light?"
-"Tem sim".
Desce do carro, volta sem a bebida e protestando:
-"Esse lugar não dá valor para diabético, perguntei se tinha coca cola light e ela entendeu "coca cola di lata".
No terceiro bar consegue comprar. O Cumbuca é apenas uma portinha sem identificação, com um pequeno toldo, e dentro um, também pequeno, balcão. A feijoada, servida em um "reservado" bastante limpo e recém pintado, vem com fartura de arroz,
couve, feijão, carne e, muito, muito boa e saborosa.
Não foi a primeira incursão "por aquelas bandas", foram poucas e infelizmente, pois é uma viagem dentro no nosso sertão paulistano, tão próximo e tão distante de nós. Lições de vida com os personagens autênticos deste Brasil Real.

rua do Itaim Paulista

A volta?...ah! a volta...fica prá próxima.


***

Um agradecimento e uma homenagem ao maior poeta do nosso sertão:

Patativa do Assaré

"Eu venho lá do meu Nordeste,
Comprei lá uma passage,
Foi sacrifiço da peste,
Prá fazê esta viage,
Eita São Paulo distante,
Na viage estravagante
Eu vim na carroceria
Deitado, sentado e impé,
Num caminhão chevrolé
Cheio de mercadoria.
Foi o maió sacrifiço
Mas afiná tou aqui
Vendo um grande ribuliço
Como igual eu nunca vi,
Faz uns dias que eu cheguei
E inda não me acostumei,
O São Paulo avorossado,
Eu vejo constantimente
Um frumiguêro de gente
andando prá todo lado."

***


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Serviço: A ocupação urbana do Itaim Paulista começou por volta da década de 50. Naquela época, o uso destas terras era ainda muito rural, com chácaras de descanso e hortas de famílias japonesas, húngaras, italianas, entre outros.

O atual centro do Itaim Paulista, naquela época, tinha poucas casas e o principal meio de transporte já era o trem. A Marechal Tito era denominada Rodovia São Paulo-Rio e ligava os dois Estados. Uns dos responsáveis pela grande ocupação do Itaim Paulista, principalmente nas décadas de 50 até os anos 80, foram os trabalhadores da Industria Nitro-Química Brasileira (S. Miguel Pta), das indústrias e fábricas da região do Brás e do ABC, em sua maioria migrantes nordestinos, além daqueles do interior de São Paulo, que até hoje vivem no Itaim Paulista e São Miguel.

Outro responsável pela ocupação do Itaim Paulista foi o Estado, os nossos representantes políticos. O governo foi responsável por permitir que os loteamentos fossem ocupados sem nenhum planejamento, enriquecendo os empresários e deixando a população trabalhadora em condições péssimas de vida.

Mas foi a população quem sentiu na pele as dificuldades de viver na periferia urbana, longe dos centros comerciais e de emprego, enfrentando transportes precários. O número de habitantes do Itaim Paulista cresceu mais rápido do que o número de escolas, de creches, de postos de saúde, etc. Hoje são cerca de 400.000 habitantes numa área de aproximadamente 12 Km².

Consta que entre 1610 e 1611, o bandeirante Domingos de Góes virou "Sesmeiro" das terras da região do "Boi Sentado", às margens do Rio Tietê, as quais foram passadas ao controle dos padres Carmelitas em 1621. Como de costume construíram uma capela de denominada Nossa Senhora da Biacica (nome derivado do Tupi "imbeicica" ou "cipó resistente"), é tida como marco da colonização local. Aceitando-se a construção da referida capela como o inicio do progresso de colonização, o Itaim teria 317 anos. Se for considerada a data da provável chegada dos Bandeirantes e padres, teríamos 396 anos (da doação da Sesmaria) ou 386 anos (da passagem das terras para os carmelitas).
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