ARMAGEDON NA AVENIDA SÃO JOÃO (FOI POR POUCO!)




Eles estão por toda parte, mas costumam se concentrar por toda região que abrange as regiões denominadas Velho e Novo Centro – desde a Praça da Sé, Praça do Patriarca, Praça do Correio, Viaduto do Chá e Anhangabaú. Além dos vendedores ambulantes de roupas, CDs, DVDs, etc., tem os vendedores de “garrafadas” que curam desde falta de dinheiro até impotência; vendedores de antenas que garantem qualidade superior à da TV digital; vendedores de chás e ervas, temperos, etc. E quem não conhece o famoso saltador do “círculo de facas”? Muito magro, cabelos compridos, faz uma série de pantominas anunciando o feito futuro, sábia estratégia visando cativar os indecisos a jogar uma nota ou moeda em sua caixinha. Depois de muita “enrolação”, dá um único e arrepiante mergulho por entre as facas pontiagudíssimas... E tem os surpreendentes artistas de “de rua”, malabaristas, sanfoneiros – muitos mirins, cinicamente a serviços de adultos - duplas caipiras, rabequeiros, verdadeiros “quartetos/quintetos/sextetos”. Em meio a tudo, nas imediações de onde antigamente se localizava o Cine Cairo (onde em fins da década de 1970 e inicio de 80 assisti a muitos filmes italianos - comédias eróticas, os famosos “western-spaguetis”, etc) e próximo aos cinemas pornôs do início da São João, velhas e decadentes prostitutas de ar cansado batalham o PF do dia... Outros expões aberrações físicas com olhar súplice enquanto estendem a mão, entoando pedidos de esmola que lembram “incelenças”,..... Reminicências da “era provinciana”, quando o circo era uma séria opção de lazer? O circo tinha seu encanto e também suas misérias – a musica, os trapezistas, os anões, o palhaço, as feras adestradas, a mulher barbada, etc. Ou é apenas um dos lados da Belíndia, que por toda parte se mostra, contradições abertamente expostas, tal como os condomínios de luxo com vista para a favela?


De uns tempos para cá os pregadores evangélicos apocalípticos são presença quase obrigatória, a qualquer hora. Outro dia, numa dessas tardes quentes e modorrentas, andava meio a esmo por ali quando, próximo a esquina da São João com a Conselheiro Crispiniano, um desses pregadores me chamou a atenção: de cima de um caixote de madeira e vestindo um daqueles famosos ternos da Ducal, muito curto para seu corpo alto e magro, o homem fazia jorrar um veemente e enérgico discurso. Aproveitando o clamor popular gerado em torno do assassinato de uma garotinha no seio de uma família de classe média, ele apelava a plenos pulmões para a ausência de Deus por entre as gentes. “Onde vamos parar?”, repetia a toda hora para a pequena multidão que aos poucos se adensava. A principio, pensei que ele se referia a metafórica ausência de Deus no coração das pessoas (como, imagino, deveria estar pensando a maioria das pessoas ali presente). Porém, ele falava era de um suposto exílio de nossa Divindade suprema que, sabe-se lá por que volteios do pensamento – terá lido Nietzche? – resolvera deixar a humanidade entregue a seus próprios caprichos! O discurso, como todos, era desconexo, mas tinha grande força carismática, prendendo a atenção da multidão, que ouvia cheia de temor. Porém, empolgado, de um momento para outro sua fala tomou um estranho rumo: Deus não havia somente se exilado, mas estava mesmo era perdendo a batalha para o “chifrudo”, o “decujus” (tal qual Guimarães Rosa, não mencionava o nome do outro). Entre mímicas, grunhidos, saltos e largos gestos, com o olhar alucinado, referia-se aos combates travados entre a Luz e as Trevas ao longo da história...

Foi quando notei que as pessoas começaram a olhá-lo com séria desconfiança e alguns cochichavam entre si. Alguns evangélicos, com suas Bíblias debaixo do braço , começaram a se acercar. Um deles, muito exaltado, gritou: - Cala-te, satanás!, ao que o outro vociferou: - Não mencione o nome dele, idiota, ou o estará invocando! E travou-se um impressionante debate supostamente teológico, uns brandindo as Bíblias outros cruzes ou imagens de santos – uma curiosa união entre os vários credos do cristianismo – com as falas intercaladas de impropérios, xingamentos e citações dos textos sagrados, de modo aleatório. Os evangélicos, mais veementes, pareciam angariar a simpatia da maioria que acercavam o pregador de modo um tanto perigoso.

Travava-se ali, em plena tarde quente – das últimas do verão – na esquina da São João com a Conselheiro Crispiniano a Batalha Final do Bem contra o Mal, forças opostas que alimentam a filosofia e a literatura durante toda a existência humana: Goethe, o Yin e Yang, O Senhor dos Anéis, a saga Guerra nas Estrelas, a série Harry Potter, todos tratam do eterno combate luz vs escuridão O singular desse debate aqui na São João é que os dois lados se consideram Luz que por sua vez denominavam o outro como escuridão! Isso vai longe...

Percebendo que estava em minoria e o sério risco que corria, o carismático às avessas tratou de sair de cena, de um modo que achei demasiado teatral: com as mãos em forma de garras, saltou do caixote de madeira e gritando ameaças mergulhou entre a multidão, iniciando desabalada carreira avenida abaixo, na direção do Anhangabaú, desaparecendo em segundos. Os que ficaram gritavam hurras, vivas e aleluias! Fiquei pensando que resultado daria se aquele homem com tal poder de comunicação resolvesse enveredar pelos caminhos da política. Acho que a questão de possuir um carisma que tinha o curioso dom de voltar-se contra ele não seria um problema muito sério nas mãos de um competente marqueteiro... Tudo é possível, principalmente em Sampa, que é “o avesso do avesso do avesso do avesso...”
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