São Paulo de grandes amores

Eu conclui que acabara na segunda semana consecutiva em que eles não estavam mais lá. A certeza foi como se a última lembrança do amor se esvaziasse, e ali mesmo morresse, ainda estando viva, como a própria história. Ela no vocal, ele no violão. Duo. Como a gente. Nossa mesa de sempre já tinha se ido havia meses, com o último arranjo do estabelecimento. Agora eram eles, nossos cúmplices, que haviam partido.

De amor ausente o lugar se enchia a cada passo que eu dava, numa sexta-feira sem nexo não fosse a certeza de que apenas eu teria ficado. Um tango argentino, uma bossa nova antiga. Nós dois sempre acompanhávamos eles dois. Pedíamos músicas, outras, e aplaudíamos. Lá era o nosso lugar de paz e de espírito. E uma cidade como São Paulo exige que cada um tenha dentro dela um lugar de paz e de espírito. Cada casal, mesmo que depois de anos, se foram para lados opostos.

Deveria existir uma regra para amor vivente, de que nunca, em momento algum depois do fim, cada lugar de paz e de espírito se esvaziasse porta afora, e por qualquer avenida morresse, ainda estando vivo. Não, nunca.

Ainda levo a melodia por onde quer que eu vá nesta cidade que construo dia após dia. Hoje eu compartilho o fim que se solidifica.



“Bejo en la copa”, de Guto Maia. Voz de Rossana Rosengarten. Dois do Brasil.

“deixa um beijo na taça
que eu não pedirei o vinho
pois depois que te fores
eu beijo a taça e me embriago sozinho

hoje eu não quero pensar
eu só quero morrer
jogado num canto de bar
até o garçom vir varrer

o lixo que varra o passado
incluindo você!"
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