A cidadania do voto


Tempos aqueles em que o vereador nada recebia para “defender o povo” e , em algumas situações, atendia a um apelo popular para ser candidato. Era um comerciante bem situado e quase sempre dono do armazem principal, um fazendeiro, um membro de uma igreja ou um professor que aceitavam concorrer para um contraponto aos já, naquela época, oportunistas que apenas viam o cargo como condição de promoção pessoal e material, sem preocupação com o progresso da cidade. Nada muito diferente dos dias de hoje. Também os candidatos folclóricos que incentivados pelos "amigos da onça" ( tempos da Revista O Cruzeiro, criação do Péricles ) se julgavam em condições de serem eleitos, sem instrução nenhuma e totalmente analfabetos. Nada contra os analfabetos dessa e desta época.

Seu Alziro era dono da Casa Santa Izaura, que foi eleito, e nunca abriu a boca nem para responder presente. Levantava de madrugada, trabalhava o dia todo e à noite durante os debates da sessão legislativa dormia a maior parte do tempo. Uma noite, e até hoje não se sabe se estava sonhando ou acordado, o Seu Alziro pediu a palavra, o que foi motivo de espanto geral entre seus companheiros e alguns moradores presentes à sessão. O Presidente esperou a leitura da ata anterior e anunciou “Com a palavra o nobre vereador Alziro”, que não aguentou a espera e já tinha dormido novamente. Foi reeleito duas vezes.


Tempos em que o marketing não existia e o candidato era quem fazia o próprio material de propaganda, criava frases de efeito e mandava escrever nos muros. Seu Clemente queria porque queria ser vereador e se candidatou várias vezes. Conseguiu autorização de um vizinho, que tinha muro em sua casa, e mandou escrever a frase “Esteja frio ou esteja quente vote no Clemente”. Passada a eleição alguns jovens escreveram embaixo “e como choveu o Clemente se fudeu”. A dor de mais uma derrota não foi maior que o desrespeito, a ofensa recebida com a provocação e palavra de baixo calão. Ficou muito bravo e só se acalmou um pouco quando descobriu os autores e levou-os à presença dos seus pais. Seu Clemente não poderia jamais imaginar que anos depois a “palavra de baixo calão” seria o mais natural, mesmo que informal, até na novela da seis.

Seu Generoso era proprietário do açougue O Rei dos Porcos, porcos estes que criava e abatia em sua propriedade rural, se é que havia uma separação entre urbano e rural. Um dos fundadores da cidade foi um desbravador no sentido próprio de derubar a mata para a construção das casas, enfrentando e matando os animais selvagens. Indicado a candidato fez um discurso na praça da Igreja “Fui o primeiro a chegar nestas terras, tudo era mato e matei e comi muitos veados atrás desta Igreja e digo mais (apontando para o jardim) que o povo não quer saber de flores, de jardim, de bancos prá sentar, o povo quer comida, quer plantar feijão, arroz e mandioca”

O Giba, o da Viola, conta a história do Tio Aparecido, irmão da sua mãe, e que foi eleito vereador lá prás bandas de Cerqueira César. Tio Cidinho era o que chamavam de boa praça e sempre a contar causos dos mais engraçados e verídicos. Até ai tudo bem, tudo muito bom mas não era nada natural e normal pedir sempre a palavra nas sessões, ao contrário do Seu Alziro, ocupar o tempo contando causos e mais causos e jamais apresentar algum projeto de interêsse da cidade.


Recentemente o Professor Elias foi candidato e contava com os amigos do Bar do Alípio. Promessa de votos e de trabalho de boca de urna. Apuração terminada e com apenas nove votos pensou em identificar os fieis eleitores, encargo difícil pois todos afirmavam ter votado nele. Passados alguns meses e, depois de muito “plantar verde prá colher maduro”, tem catalogado hoje os votos recebidos.

É alegria, diversão, bom humor. Típicos de nós brasileiros. Mas que possamos pensar um pouco mais, um pouquinho só, nas escolhas dos nossos representantes. Faltam poucos dias.
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