ABRAHÃO BENJAMIN, O CINEASTA DA CAATINGA



A propósito do lançamento dos livros Lampião, O Sertão e Sua Gente (Jorge Vieira Camelo Filho) e Cabeças Cortadas (Antonio Amaury Correa de Araújo), anunciados e comentados logo abaixo, fazendo voltar à baila Lampião e o fenômeno do cangaço, vale algumas palavras sobre a figura do sírio-libanes Abrahão Benjamin. Foi uma figura singular, esse árabe que chegou ao Brasil fugindo de servir na Primeira Grande Guerra e na nova terra, precisamente no Recife, tornou-se mascate, embrenhando-se sertões adentro, acompanhado de dois burros, carregando malas onde se vendia de tudo – tal qual n’A Venda de seu Lidirico, do Milton Edilberto.
Mostrando uma versatilidade muito conhecida de todos nós daqueles povos do oriente, Benjamin foi secretário do lendário Padre Cícero Romão Batista, quando teve a oportunidade conhecer Lampião, quando o mesmo no ano de 1926 foi tomar a benção do padre, para a empreitada para a qual tinha sido designado, a de perseguir a Coluna Prestes, evento que acabou não se consumando...


Parte da trajetória de Abrahão Benjamin pode ser acompanhada no filme Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira (diretor do premiado Árido Movie), interessante versão da vida do cangaço que, apesar de contestada pela neta de Lampião, Vera Ferreira, não creio ser despropósito: em conversas com antigos sertanejos – meus pais eram do sertão pernambucano – falava-se que os cangaceiros gostavam de usar perfumes, sendo que às vezes a passagem dos mesmos por determinado lugar poderia ser denunciada pelo forte cheiro de perfumes que usavam em abundância...

O maior feito de Abrahão foi sua decisão de documentar em película a vida do famoso cangaceiro. Por duas vezes esteve entre o bando, sendo que a primeira incursão foi cercada de algumas curiosidades. Lampião admirou-se de sua coragem e criatividade, quando do primeiro encontro: “Como é que chegaste até aqui com vida, cabra véio?”, ao deparar-se com o atrevido e corajoso árabe com equipamento fotográfico, sozinho nas brenhas da caatinga – Benjamin fora levado ao “capitão” Virgulino pelo “cabra” alcunhado Sabonete. E Lampião, cismado como só um cangaceiro que sobreviveu por vinte anos às perseguições de inimigos vários, desconfiou que na máquina pudesse ter uma arma e assim fez o árabe se postar diante da câmera para testar o equipamento, o que o sorridente sírio fez sem pestanejar, ganhando assim, a confiança de todos.

Benjamin não era fotógrafo ou cineasta. Só tinha a cara e a coragem, mas intuía que faria um registro épico que ficaria para a história. As fotos onde ele aparece com Lampião e Maria Bonita foram clicadas pelo cangaceiro Juriti e dizem os entendidos que são melhor focadas do que as que Benjamin clicou. Porém, os poucos minutos filmados – cerca de 15 – e mais ou menos 70 negativos que puderam ser recuperados são registros preciosos, dando idéia da vida no cangaço, no próprio ambiente onde reinavam absolutos: a riqueza dos trajes, os bailes improvisados e animados por pé-de-bode, o hábito de Lampião se deixar mostrar lendo revistas ou jornais, o que pode ser compreendido como tentativas de mostrar uma imagem diferente do bandoleiro sanguinário, inimigo do povo e do governo, forjada pela mídia da época; ou Lampião, talvez, simplesmente fosse um homem que gostava de ler jornais ou revistas e assim, se inteirar do que acontecia no mundo... Fato era que o cangaço com ele superou o regionalismo nordestino, ganhando destaque mundo afora.... Ah, se aquele tar de AlCapone aparecesse na caatinga! Ele veio? Pois, sim! Num era bobo....

O cangaço com Lampião ganhou uma dimensão totalmente diferente dos cangaceiros que o antecederam: Sinhô Pereira, Lucas da Feira ou Jesuíno Brilhante, dentre dezenas de outros de menor expressão. Modernamente, podemos até dizer que Lampião fez seu marketing pessoal, utilizando-se dos recursos da modernidade. Mas essa mesma modernidade facilitaria as perseguições ao bando – as tropas volantes por vezes se utilizavam de caminhão ou mesmo ônibus-jardineiras, pelo que se diz – consumando-se no massacre de Angicos, dois anos depois das filmagens feitas por Benjamin Abrahão, na sua segunda incursão nas caatingas...

Sem que se possa compreender – pelo menos aos olhos dos dias atuais – as filmagens e as fotos de Benjamin dos cangaceiros eram incrivelmente mal vistas pela imprensa governista, pelo próprio governo e principalmente pela polícia. Tinha ares de escândalo o fato de um árabe meio maluco se infiltrar nos sertões e fotografar e filmar os cangaceiros na maior festança e folgança.... Os negativos foram confiscados pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a maioria se perdeu. Abrahão Benjamin foi morto em circunstancias jamais esclarecidas – 42 facadas, por um suposto ladrão, que nada levou de Benjamin, pois ele nada possuía de valor consigo -, em plena vigencia do Estado Novo.


Algumas informações foram baseadas na reportagem de Xico Sá, para a revisra V, ano II, número 11, março/abril de 2004
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