O CAVALO QUE NÃO SABIA INGLES OU A MUSA DO EMBÚ

Sábado, 29/11, fomos ao Embú, na avant-première da inauguração do Empório Santa Helena, lugar de boa cerveja, cachaça e comida de primeira, gente bonita e além de tudo, a presença de Kátya Teixeira, privilégio de poucos que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir.
Não vou fazer uma apresentação histórica da cidade Embu das Artes, pois isso já foi feito, com competência, pela Editora Chefa Fernanda, a Lenda, em postagem logo abaixo. Em todo caso, para quem quiser confirmar ou obter mais informações, veja o link:
www.embu.art.br/index.


Enfim, lá fomos, todos a bordo de meu cavalo, o famoso Murzelo Alazão, muito faceiro e garboso por retornar a bela cidadezinha. Foi ali que certa vez tive de contê-lo, pois insistia em escoicear um gajo que fizera uma indelicadeza com um grupo de músicos populares que tocava numa das esquinas das incontáveis ruazinhas: passávamos e um quinteto de cordas espalhava seu delicado som, que fazia com que muitos parassem e ficassem deliciados com aquele som que remontava o barroco ou até o medievo, tal como deveriam fazer os monges músicos que eram expulsos dos mosteiros e para ganhar a vida, tocavam profanamente nas aldeias... Era com esse espírito que ouvíamos deliciados os acordes afinados, que superavam em atenção o barulho de pés dos passantes e das conversas que se faziam ao longe, quando ouvi, bem ao meu lado um esganiçar mal humorado e notei que saía da boca de um janotinha magricela, quase transparente de tão pálido, portando óclinhos intelectualóides, acompanhado de uma patricinha, dessas com destinação segura a ser perua na vida. Pelo empinar do queixo, notei que o cabra era um expert em assuntos musicais e o mesmo vaticinava com desprezo: “Som horrível!...” Eita, que o Murzelo Alazão ficou muito bravo e insistia em dar-lhe um coice que faria história no Embu e na grande Sampa, pois seria tão potente que o atiraria de volta ao closet de sua rica moradia, nos afortunados recantos da elite quatrocentona!... Bem, passou o quase incidente, o expert de oclinhos e a patricinha sumiram de vista, mas notei um comportamento meio esquisito do Murzelo: em toda esquina ele empacava e demorava algum tempo para prosseguir...


Mas isso foi noutros tempos, noutra tarde. Porém, qual não foi minha surpresa quando desta feita o Murzelo, aparentemente sem nenhum motivo, repetia o mesmo comportamento da vez outra: em cada esquina, empacava. E também notei que o mesmo acontecia diante de certas lojas. Que estava acontecendo com esse cavalo? Foi quando, numa esquina, notei o Murzelo olhando fixamente para a placa da rua, olhando e piscando. Olhei também e li “route pedestrianism”. Matei a charada: o Murzelo, cavalo do planalto, acostumado as veredas e estradas boiadeiras do grande ser-tão paulistano estava se atrapalhando com os dizeres em inglês na cidade com grande afluência de turistas endinheirados, onde todas as informações públicas são escritas em caracteres bilíngües. Bem, cada macaco em seu galho e em alguns lugares se diz “a cabra ao mato, o porco ao chiqueiro”. Sempre nos queixamos que nosso potencial turístico é sub-utilizado, então, nada como facilitar as coisas para que o turista se sinta como em sua casa, mesmo achando, pessoalmente, que o atendimento ou atração ao turista, acidental ou não, talvez se faça por outras vias, entre elas, a manutenção das características originais do lugar e também certo cuidado com a chamada “poluição visual”... Penso nisso ao ver as enormes placas com nomes de bancos multinacionais, seguradoras, etc., um campo fertilíssimo para alguém que desejasse fazer uma ação do tipo “cidade limpa”... Bem, as informações bilíngües nas placas não nos ajudaram muito a achar o endereço que tinha como referencia, o museu de arte sacra e fiquei a pensar o quão seria útil uma simples placa indicando “museu” para lá ou para cá... Ou então uma daquelas cabines de informações ao forasteiro. Porém, como quem tem boca vai a Roma, chegamos com folga ao lugar, afinal de contas, tínhamos conosco o guru ZéMaria, o sábio que conhece todas as veredas do sertão...

Afinal, ao que interessa: n”O Empório Santa Helena”, o pote de ouro: Fomos galantemente recebidos por Eliana e mestre Giba, o da-viola, que nos brindou com sua violinha caipira, seus causos, seu canto, sua presença amiga e fraterna, energizadíssimo, pois havia emergido de uma experiência reiki-xamânica. Algo nos dizia que aquela seria uma noite inesquecível e quem lá compareceu, ganhou a sorte grande.


Kátya Teixeira, A Mulher Estrela Katchêre, nos guiou numa viagem deliciosa e maravilhosa pelos ritmos brasileiros e latino-americanos, desfiando através de seus dedos mágicos de artesã de sons e fluindo através de sua voz límpida e inconfundível, congadas, folias, cantos de trabalho. Por vez adentramos num joropo (baile típico venezuelano) ora estacionamos numa estância pampeana ao som de milongas e até revisitamos a terrinha pátria-mãe, matriz de grande parte de nossas raízes, através de Sergio Godinho e Zeca Afonso. A presença de Kátya, com seu violão, sua rabeca e a viola-de-cocho (que não levou ao Embu) dá razão a Dércio Marques que disse certa vez: “Assim como o canoeiro-remo-canoa complementam o rio, humanizando-o, Kátya e os sons humanizam as vibrações do ar.”



Por fim, fica a dica: a cidade de Embu das Artes, de origem indígena-jesuítica, confluência que no passado distante amenizou o inevitável confronto de culturas díspares, bem que poderia fazer de Kátya Teixeira a sua Musa, pois a Moça traz almagamada em seu ser as matrizes essenciais das culturas negra-india-mestiça, o “canto da terra”, como diria novamente Dércio. E, para fechar a noite com chave de ouro, tivemos uma belíssima canja da pernambucana com voz lusa, embuense por adoção, Maria Da Paz, a dar sinais que o Empório Santa Helena promete muito mais...

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