CARMEN MIRANDA, MULHER NOTÁVEL

A 09/02, uma moça conhecida por Carmen Miranda, faria cem anos.. Aos olhos de hoje, seria chamada artista “multi-midia”, de múltiplos talentos, figura central da cultura brasileira que atravessou fronteiras. A América do Norte rendeu-se a seus talentos, Roliúde (ou Hollywood, como escrevem lá eles!) estendeu-lhe tapetes, foi protagonista de vários filmes. O resto é história. Ao alcance de todos.


Daqui do sertão paulistano, vendo a chuvinha persistente caindo lá fora, imagino que por toda a parte haverá festas e mais festas em sua homenagem. Imagino nas cidades do interior os alto-falantes instalados nos coretos ou nos carros andando lentamente pelas estradinhas de terra ou nos carriadores anunciando bailes e quermesses. Até mesmo percebo que meu cavalo, o famoso Murzelo Alazão, esquipa faceiro, pois sabe que comprei sela nova para comparecer supimpa nos muitos bailes...

Que dizer de Carmen, artista luso-brasileira, que imortalizou o jovem Dorival Caymmi, rebolando insinuante “o que é que a baiana tem?” Os grandes instrumentistas da época – Garoto, Laurindo Almeida, tantos – juntaram talentos à “pequena notável” e a arte brasileira deixou de ser exótica apenas para ganhar brilho próprio e inconfundível Que pode dizer essas mal traçadas linhas? Dizem alguns que Carmen antecipou a Tropicália, pondo pimenta na orgia antropofágica da Semana de Arte Moderna. De fato, elementos comuns certamente os há, como o deboche, a irreverência, o improviso. É provável que o pessoal da Tropicália, último movimento de vanguarda abaixo ou acima do Ecuador, tenha se inspirado nela, pois, Carmen arregimentava em sua figura – mesmo sob o esteriótipo que soa canhestramente – os elementos característicos dos trópicos – vide o famoso cocar de frutas. Carmen chacoalhava as entranhas de um país ainda por se descobrir, que sob a pena clássica de um Gilberto Freire ou Sérgio Buarque ou sob outra pena, delirante, de Mario Macunaíma de Andrade, buscava a todo custo uma identidade. Nada como o cocar de frutas, a se perder no infinito, metáfora da eterna orgia de cores, alegria, fartura.





















Carmen, exuberante, luso-brasileira, trazia em si o germe da diversidade, “tiquetaques nos corações”, balangandãs épicos, símbolo da abundância Edênica de deusas de ancas largas, seios prodigiosos, olhos de sensualidade obliqua. Catalizadora das alegrias e das ânsias do povo alegre e folgazão, festeiro, uma arte que se opunha de forma acintosa a chamada cultura erudita de então. Amalgamou e pôs a ferver o caldo onde mergulhou depois os antropófagos. A Nau insensata que era o Mundo de então, mergulhado no mar de Sargaços da Segunda Grande e pavorante Guerra avizinhando-se, precisava da Pequena e Notável comandante. Talento in natura e ousadia descarada, despudorada. Os puristas de ontem e de hoje a acusam se ter sido cooptada, mas, que fazer, se nem o samba resistiu? O carnaval dos morros tornou-se festa pra inglês ver... (Porém, a festa que se tornou de mentirinha, não tirou das ruas, dos blocos, dos terreiros e das praças os mateus, as catirinas, os caboclinhos, as congadas, o jongo, o catira, o cururu, as cavalhadas, que prosseguiram solertes sua sina espiritual sertões afora....) Roliúde ou Hollywood passou. A energia que parecia inesgotável, sucumbiu, deixando a vida e entrando na História, como Mito. E Carmen ficou encantada, voltou aos seus, a ser Caipora, a ser Onça parda a reinar nos sertões...



Bem, com o
Murzelo Alazão bem arreado, com nova e colorida
sela, vamos cair na festa! Mais um pouco e comemoraríamos junto o Dia Internacional da Mulher, 08 de março. Ninguém melhor que uma “pequena notável” a carregar um país nas costas.... Montado no garboso Alazão, ocorre-me uns versos de mestre Suassuna::”,,, Mulher, resumo ancestral e sagrado da Vida!” Pois Carmen foi a seu tempo, resumo transbordante de uma nação festeira!
Adbox