Na São Bento com a Praça Patriarca

Descendo do metrô Sé ou, a depender do conceito, subindo, após as várias escadas, "abrem-se as cortinas e inicia-se o espetáculo torcida brasileira". Pregadores da Palavra dividindo espaço e goela com musicos de rua, plaqueiros anunciando exame médico, compra de ouro, fotos para documentos.
Na rua Direita, "do lado direito da rua Direita olhando as vitrines eu a vi", a oferta hoje, acompanhando os tempos modernos, é de conserto, desbloqueio e venda de celulares, em espaço anteriormente ocupado por oferta de calças jeans. Na Barão de Paranapiacaba é o verdadeiro "corredor polones", se é que eu saiba o que é e o porque do nome, passar pela rua entre dezenas de vendedores com cartão e mostruários das dezenas de lojas de jóias ali existentes.
No começo da XV de Novembro duplas de repentistas se revezam tendo como colegas de trabalho os vendedores, tipo pomadas milagrosas, que caractereizam-se por pedir que os passantes formem um círculo para apresentar uma mágica e em seguida oferecer os produtos.


Uma paradinha respeitosa com os repentistas: a maioria das duplas é muito boa, observadores das pessoas, inteligentes nos repentes (?), para o engravatado, para a moça elegante, a senhora um tanto gordinha, entre centenas de tipos diferentes. Bem informados, atualizados, as frases criadas, com duplo sentido às vezes, agradam e as palmas e risadas são a prova do sucesso. Eles merecem o realzinho colocado no chapéu.

Na São Bento com a Praça Patriarca uma surpresa, uma marca da cultura popular do nosso Brasil em vias de extinção: o realejo e o periquitinho. Grande sucesso na década de trinta a musica de Nássara, grande compositor, principalmente de marchinhas carnavalescas, foi um enorme sucesso.

"Meu periquitinho verde
Tire a sorte por favor
Eu quero resolver
Este caso de amor
Pois se eu não caso
Neste caso eu vou morrer".
Imagino que eram tempos em que o acesso ao horóscopo diário, via jornal e rádio, era mais difícil e deveriam existir poucas ofertas de leituras de mão, tarô, borras de café, pupíla dos olhos, fotos da aura e outros. No século passado outra musica de grande sucesso, para o lado mais fossa, é o Velho Realejo de Custódio Mesquita e Sadi Cabral:

"Naquele bairro afastado

Onde em criança vivias

A remoer melodias

De uma ternura sem par

Passava todas as tardes

Um realejo risonho

Passava como num sonho

Um realejo a cantar."


O nosso realejo, o da Patriarca, está um tanto "lascado", mostrando claramente os anos de estrada, vários remendos das marcas da estrada e do tempo. Por desconhecimento talvez, por falta de atenção também parece que é invisível ao olhar das pessoas apressadas. Uma garotinha consegue interromper o caminhar apressado do pai e fica olhando tentando entender o que é. Como o homem do realejo, acostumado aos tempos em que não era preciso explicar o trabalho do periquitinho, e o pai nada dizem ofereço-me para a aula. Na parte prática peço que o periqutinho puxe o papelzinho com a "sorte", que a garota lê e sorri.


Aqui eu fico com o Gonzaguinha: "Eu fico com a pureza e a resposta das crianças".

Dentro do tema a letra (e também musica) de um poeta mais novo conhecido por Chico, o Buarque de Holanda.

"Estou vendendo um realejo
Quem vai levar
Quem vai levar
Já vendi tanta alegria
Vendi sonhos a varejo
Ninguém mais quer hoje em dia
Acreditar no realejo
Sua sorte, seu desejo
Ninguém mais veio tirar
Então eu vendo o realejo
Quem vai levar
Estou vendendo um realejo

Quem vai levar
Quem vai levar
Quando eu punha na calçada
Sua valsa encantadora
Vinha moça apaixonada
Vinha moça casadoura
Hoje em dia já não vejo
Serventia em seu cantar
Então eu vendo o realejo
Quem vai levar"

Estou vendendo um realejo

Quem vai levar
Quem vai levar
Quem comprar leva consigo
Todo encanto que ele traz
Leva o mar, a amada, o amigo
O ouro, a prata, a praça, a paz
E de quebra leva o harpejo
De sua valsa se agradar
Estou vendendo um realejo
Quem vai levar
Quem vai levar...


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