LOS IMPOSSIBLES VILLANOS

Que os freqüentadores deste afamado blog e especialmente mestre Giba da Viola e Editora Chefa Fernanda de Aragão, não se assustem: não estou aderindo aos muitos estrangeirismos que pululam nesta terra Brasil, que um dia foi de Santa Cruz: Los Impossibles é o titulo de uma peça do espanhol Santiago de Múrcia (sec XVII) e o nome de um grupo musical bem brasileiro. Eles tocam musicas barrocas e renascentistas, mas flertam livremente com a musica moderna – do jazz à MPB, incluindo musica regional e folclórica.
Los Impossibles
Sabendo de seu projeto e que se apresentariam no teatro da Fiesp, lá fui num belo inicio de tarde de domingo apreciá-los, especialmente quando vi no programa que tocariam Gaspar Sanz, um dos pais do que hoje se chama violão. A simples visão dos instrumentos impressiona pela beleza: alaúdes, teorba (guitarra de origem italiana com suas inacreditáveis 14 cordas. Se eram confeccionadas com tripas de animais, cada encordoamento era um massacre! ), violas de arame (antecessora da nossa viola caipira), violões. Aos primeiros acordes da musica de Sanz somos levados a mergulhar noutras eras, primores do espírito humano! Mesmo as dançantes Folias de Espanha são de uma delicadeza que nos faz flutuar. Ou quase. Flutuamos até o ponto em que alguém tosse. Um tosse aqui, outro responde ali, outro acolá e dentro em pouco é um verdadeiro concerto de tosse, onde os pobres e frágeis instrumentos parecem se esconder, aturdidos.
Alaúde
Então me lembrei do Chico Branco, compositor entre outras de A Voz da Terran que faz parte do álbum Afluentes, do grande Antonio Pereira, chamado De Manaus, “o Uirapuru disfarçado de gente.” Chico Branco é um dos quatro compositores convidados pela musa Katya Teixeira para o terceiro disco dela, o Feito de Cordas e Cantigas, em breve nas melhores casas do ramo. Pois disse certa vez o Chico Branco: “O chato quando fica doente, em vez de ir ao médico, vai ao concerto!
Dito e feito, frase lapidar e profética do grande Chico: o chato da tosse insistente não tem o menor acanhamento, não procura ser discreto, nada! Simplesmente impõe seu acorde dissonante e os outros que se virem. Diria Zé Mangabeira, filósofo e autodenominado herdeiro do trono do Brasil: “O sujeito que tosse sem pejo no concerto é um hedonista. Expõe e impõe seu incomodo aos outros, chama a atenção, num estardalhaço. É um sádico, tem prazer em cortar o barato dos outros. E eles têm pretensões imperialistas, unem-se através de redes secretas. Podem reparar: durante um concerto um tosse aqui, outro responde, sempre em posições estratégicas na sala e o objetivo é desestabilizar a audiência e os músicos, induzir ao erro, ao caos, enfim!”
Guitarra barroca ou espanhola
Bem ao meu lado tinha um desses “agentes do caos”, tossindo alto e quando não isso, emitindo comentários com a mulher a seu lado durante a peça: “...Tiorba é o grandão ou o menorzinho? Deve ser o menor, pelo nome!” E ficamos à mercê! Bem que teríamos solução: bastaria recomendar uma dose de cachaça com limão e mel de maribondo da bunda vermelha. A propósito, segue a dica: senhores produtores, diponibilizem doses de cachaça com limão e mel de maribondo da bunda amarela. Infalível!
Esta é a Tiorba ou theorba
Porém, hai de quem não acreditar na arte, este lenitivo para os incômodos mal-estares. Se os chatos tem sua rede, podemos contra-atacar e é isso que acontece: Gaspar Sanz – que também era sacerdote - , mais uma vez, nos socorre! De modo discreto, executa-se o Villanos, gênero que em Portugal se chamava simplesmente “vilão” e nada mais era que canções profanas, tocadas nas vilas (daí vilão!) entre as gentes do povo, com guitarras barrocas, sapateados e percussão (uma das mais célebres dessas canções, Canários, foi imortalizada numa citação do Concierto para Aranjuez, de Joaquin Rodrigo e vemos referências do maravilhoso ritmo na Cruz Del Sur, de Atahualpa Yupanqui e Malambo, de Dércio Marques).
Pois bem, que não se brinque com villanos (ou vilões!): a peça é inteiramente tocada sem que se ouça uma única tosse. Tudo o que se ouve é o sublime dedilhar sem idade que atravessa séculos e séculos. Sequer respiráramos até o último acorde desaparecer naquele breve silencio antes dos aplausos, que enfim explodem e só então o sujeito se lembra de tossir, mas já era tarde demais! Foi sufocado pelos retumbantes aplausos. Ganhamos uma, finalmente: quem ri por último, ri melhor! Ergo os dois punhos, triunfante!!!

Em tempo: reza a sabedoria popular que a soberba é pecado dos grandes e fazemos mal em cantar vitória antes da hora. Ao fim do concerto, o bis é pedido repetidamente e os músicos confiantes se entreolham e entre piscadelas de cumplicidade com o público, repetem o Villanos – seria o golpe de misericórdia? Tudo vai bem, perfeito, até segundos antes do último acorde, quando o sujeito bem ao meu lado, solta a impudica tossida e assim fica com a última palavra.... Não se pode mesmo ganhar todas! Abaixo, a viola de arame. Qualquer semelhança, não é mera coincidência
Adbox