TEMPO DE FUTEBOL E PAPO DE BOLEIRO

“...(...) Vai em frente, avante, adelante, pé na tábua!
Quem não tem cão caça com gato! (...)
Ou vai ou racha! ETA ferro! Na paz como na guerra!
Olho vivo, que até cavalo tá subindo escada! (...)
Vamos em frente! Onde tem briga eu entro!
Homem macho não usa barbicacho! È hora, é hora, é hora!

(...) Eles vão ver com quantos paus se faz uma canoa!
Sarava! Quem for brasileiro que me siga!
Quero o repeteco do caneco!
Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
Juiz ladrão! Foraaa! Conheceu, papudo?
Deus é canarinho!
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! O resto é freguês!


Os excertos de texto acima poderia ser o brado de um torcedor apaixonado no meio da rua ou num boteco, em dia de final de campeonato regional ou Copa do Mundo, um dentre milhões de torcedores, membro de organizada ou não!

Mas é ninguém menos que o sublime e ponderado – aparentemente! – Carlos Drummond de Andrade, um dos 4 ou 5 brasileiros que deveriam ter ganho o Premio Nobel, se os honoráveis senhores da Academia Sueca fossem um tantinho mais atentos ao resto do mundo que não lhes pareça exótico. (Os outros poderiam ser Guimarães Rosa, Dr. Miguel Nicolelis, Dª Zilda Arns, Cesar Lates, etc. Mas esse é tema para outro post!).

O Drummond divertido – ele adorava pregar peças – e passional – como todo brasileiro quando o assunto é football – está presente na crônica “O Incompetente na Festa”, que faz parte de um volume editado pelos netos do itabirano, Luis Maurício Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, que reúne crônicas com o tema “futebol” ao longo de mais de 50 anos, principalmente no Jornal do Brasil e Correio da Manhã. Consta também versos publicados em antologias e em cartas pessoais, onde tece comentários sobre a seleção brasileira. Todo esse material está reunido no livro “Quando é Dia de Futebol”, editora Record.

O futebol, suas alegrias e tragédias que atingem a dimensão da própria nacionalidade, talvez não seja simplesmente o ópio do povo ou sintoma de alienação coletiva, como o querem certas análises sociológicas. A história do Barcelona, por exemplo, é mesmo um símbolo da naçã catalã - um de seus presidentes foi assassinado pelo facismo franquista; o Vasco da Gama do RJ entrou para a história como o primeiro clube carioca a contratar negros; a formação do Santos FC foi uma alternativa aos clubes fechados que existiam na então cidade de Santos do começo do século XX, com seus clubes "dos ingleses", "dos portugueses", "dos alemães", "dos franceses". A meu ver, ainda está para ser escrita uma "história social dos clubes de futebol no Brasil e no mundo. Quem souber, por favor, me dê a dica...

O FUTEBOL
Dentre as coisas inexplicáveis no universo das paixões humanas, seja talvez a mais eloquente: pego emprestado outra expressão drummondiana: “...pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração!”

O sujeito muda de partido, de , de nacionalidade, de cor, até de sexo, mas jamais troca seu time de coração! Estudiosos de peso já tentaram descobrir o que há de transcendente no futebol, sem nenhum sucesso, ao passo que qualquer menino de pé-no-chão chutando uma bola de meia o sente na alma. O “analista” pode explicar o futebol como paixão irracional, como símbolo de status e até mesmo como símbolo de integração, mas jamais consegue explicar o som mágico que sua alma deseja como o mais belo finale de uma sinfonia: “GOOOOLLLLLL!”, ao som de cordas, tambores, clarinetes, sapateados, palmas.

Algumas célebres “drummondianas” futebolísticas:

“Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
Futebol se joga na rua,
Futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
Para craques e pernas-de-pau”
(in Poesia Errante)

“O dificil, o extraordinário, não é fazer 1.000 gols, como Pelé. É fazer um gol com Pelé.”
Sobre Pelé




Outro dia, guiado pelo nosso guru ZéMaria, conhecedor dos caminhos do Peabirú em São Paulo e memorialista deste Ser-tão Paulistano, tivemos o raro prazer de prosear com “seu” Décio Gouvêa, paulistano da gema, insigne servidor aposentado do Tribunal de Contas do Estado, mas tendo dedicado muitos anos de sua vida à administração de uma escolinha de futebol em sua cidade de coração, Bragança.

Poderíamos ficar horas conhecendo inúmeras histórias pitorescas, trágicas, engraçadas, dignas de comporem um “Boleiros 3”, do Ugo Giorgetti. Na nossa conversa, sempre que falávamos de assuntos gerais, pressentíamos a cautela, a ponderação, a racionalização do discurso: porém, ao falar de futebol, todas as barreiras se rompiam: a autoridade discursiva se faria presente quer fosse perante um Tribunal com sisudos legisladores ou numa mesa de bar. Ou como diz o Drummond: “Sua magia (do futebol) opera com igual eficiência sobre eruditos e simples, unifica e separa como as grandes paixões coletivas. Contudo, é uma paixão individual mais que todas.”

Seu Décio lembra da bola, dos estádios cheios no interior, onde o futebol é sempre a maior atração da população local; ouve a ovação murmurante de milhares de vozes, uníssonas: sinfonia da bola. O brilho de seus olhos espelha o sorriso fácil, de menino. O balé de pernas e bola, os traçados geométricos, tangenciais, desenhos feéricos, culminam em prelúdios, andantes, alegros! Ode ao gol, no exato compasso do coração, o ciclo se fecha e renasce. Pernas, bola, músculos, gargantas, vibração uníssona.

Sobre a experiência na escolinha, seu Décio é muito objetivo: “Tem de ter amor...”, responde sem se ater a refinamentos discursivos.

“Perder é uma forma de aprender.
e ganhar uma forma de esquecer o que aprendeu.”
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)


Quem quiser deliciar-se com inacreditáveis “histórias de futebol”, acessem o link abaixo, resultado de uma minuciosa pesquisa de nosso memorialista, o Zé Maria. São histórias como esta, de Drummond, de seu Décio que ajudam a compreender as razões de nossa paixão pelo futebol, que nada tem a ver com o marketing e grandes interesses financeiros que nos dias de hoje grassam o meio futebolístico:


http://folhadaestancia.com.br/site/?p=6970








"seu" Décio Gouvêa
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