A noticia nos tolheu com ares de incredulidade. Sabíamos que o Sakae estava doente, que era grave, mas todos nós, seus amigos, admiradores, familiares, todos tínhamos plena convicção de que ele sairia dessa. Entretanto, como um poema bruscamente interrompido, ficamos privados da presença serena no Sakae Okumoto, artista plástico, pai do Lucas e da Paola, marido da Grazziela Hessel.
Sakae era de amizades longas e duradouras. Cultivava os
amigos e os entes queridos em geral sem arroubos ou gestos exagerados. Era
contido e persistente e creio que ele transmitia isso para sua Arte. Embora eu
conheça apenas uma pequena fração de seu trabalho, sua obra não é datada –
quero dizer, ele não se deixava levar pela emoção ou os acontecimentos do
momento, embora retratasse com agudeza crítica o momento presente. Se “critica”
havia na concepção da obra, a mesma tinha como característica e mérito, superar
o pragmatismo imediatista. A visão de sua obra suscitava no observador certo
esforço de compreensão, como se tivesse o poder de deslocar-se no tempo-espaço
para o mundo das coisas tangíveis, sujeita a metamorfoses e consequentemente, novos
significados a cada vez que é “confrontada” com um olhar inquiridor.
Se sua obra era mutante perante aquele que observa, por sua vez o Sakae, continuava o mesmo de sempre. Comportava-se com a perenidade de verdadeiro “senhor do tempo”, sem jamais alterar o semblante ou a voz, mesmo quando discordava de algo, fosse o tema questões estéticas ou políticas. Isso fazia dele um invejável interlocutor: era impossível “brigar” com ele.
Desde 16-05-1953 quando nasceu em Vorantim, no interior
paulista, caçula de uma família numerosa de imigrantes japoneses, até sua partida prematura em 02-09-2025, uma vida dedicada dedicada à arte-educação. Para além da técnica
aprimorada na Faculdade de Belas Artes, destacava-se nele, como parte de sua
própria essência, suas convicções profundas reconhecidas por críticos, admiradores, simpatizantes e
companheiros de estrada que ele cultivou ao longo da vida. Pintava e desenhava
em profusão, fez centenas de trabalhos, a maioria desconhecido do público.
Em cada peça, fosse uma cena ou um retrato, percebia-se o esforço
em mergulhar e vislumbrar as profundezas do “eu” oculto no objeto. A Arte sempre foi o
elemento através do qual ampliava o mundo da percepção; instrumento e
ferramenta capaz de absorver as vicissitudes e asperezas cotidianas. Sua Arte era dotada da “aura” de que falava Walter
Benjamin; sua Arte mantinha-se flutuante, não era uma arte da era da
“reprodutibilidade técnica”, que se torna moda e exige a presença massiva
de “marketeiros” da arte.
Guardo dele uma cena que se repetiu algumas vezes durantes os anos que nós, do Ser-tão Paulistano, privamos de sua amizade: quando íamos ver apresentações musicais de sua esposa, a cantora e compositora Grazziela Hessel e seu filho Lucas Mandetta Tokumoto, um senhor violonista 7 Cordas, lá pelas tantas eu lhe perguntava: “Sakae, como é ser o marido de uma estrela da música?” Ele ria timidamente e falava de modo quase inaudível, como se partilhasse um segredo: “É fácil. É só seguir!”