POR FORA BELA VIOLA...

Os chamados ditos populares ou provérbios estão entre as mais antigas formas de transmissão de conhecimento, através de frases simples, geralmente irônicas. São afirmações diretas, contundentes, dispensam enredos alongados elaboradas explicações, como são, por exemplo, os “causos”. Os ditos populares são atemporais e exercem grande fascínio, pois servem às mais diversas situações em qualquer época, lugar ou circunstancia.
Outro dia, num comentário através de uma rede social de minha amiga Naza Braga, ocorreu de ela mencionar “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento” e instantaneamente, como num choque elétrico, ocorreu-me pensar sob diversas situações de nosso mundo. A mensagem é simples: evoca a ideia das falsas aparências. Possui inúmeras outras versões (por fora bela viola, por dentro molambo só; por fora casquete de veludo, por dentro miolos de burro, etc) mas a referência ao pão e a viola é provavelmente a mais comum. Outra versão bastante comum é o “lobo em pele de cordeiro”, porém, esta geralmente usada noutro sentido, especialmente moral e político. O “bela viola” tem ironia mais sutil e um sentido, digamos, “filosófico”, mais elaborado.
A imagem evocada pela frase é curiosa: menciona dois dos sentidos básicos, a visão e o paladar, e se relaciona com o “ouvir” (o som da viola) e naturalmente o “ver”, e até mesmo o tato, pois a “bela viola” é objeto táctil, real, concreto. Predomina, entretanto, o visual da viola e o pão, ambos falsos e enganosos:
Apesar da obviedade, nada é mais comum do que se deixar levar pelas aparências: por toda parte nos deparamos com situações onde o lustre aparente é tão convincente que um equívoco ou um erro grasso toma forma de verdade, quando quer dizer exatamente o contrário. E neste nosso mundo, onde “ser é parecer”, uma boa imagem, mesmo falsa, adquire importância que rivaliza e até supera o “conteúdo” autentico.
Nas empresas, nas corporações, no mundo artístico, no universo acadêmico ou simplesmente no grande mercado das personalidades, por toda a parte se insinuam as máscaras que escondem insidiosas verdades (cabe aqui uma ressalva: nem sempre as máscaras são vis e mentirosas, muitas vezes são escudo protetor. Muitos que sofreram perseguições ou preconceitos de várias ordens, adotam diante da vida a postura da dissimulação e tal muitas vezes se estendem por incontáveis gerações e atingem comunidades inteiras, até mesmo países. Não é, entretanto, o caso aqui tratado).
O motivo desta intervenção é a clássica e vexatória situação do governo Dilma Rousseff de nomear para a Comissão dos Direitos Humanos um racista e homofóbico, que seria tão somente mais um capítulo referente aos famigerados acordos político-partidários. Claro que dona Dilma não teve essa intenção (colocar um lobo a tomar conta de ovelhas), mas reporta à antiquissima prática que desde os primórdios nacionais refletiu os acordões praticados pelas elites, negociando as fatias de poder sem ao menos pensar nas consequências, principalmente se as mesmas recaem sobre o povo –
- reflitamos, fria e francamente: que interesse deve ter para aquela gente engomada, algo como Direitos Humanos? O que é isso? Nem ouso dizer que sua compreensão é algo subjetivo, a verdade é que Direitos Humanos é uma expressão desprovida de qualquer valor, apenas um termo de discurso, há quem confunda – pasmem! – que direitos humanos são feitos para proteger bandidos, quando se fala na questão de humanizar as prisões. A verdade é que a expressão Direitos Humanos adquiriu uma conotação de rameirice ordinária, é coisa marginal: a expressão é forte, mas não consigo encontrar equivalente para designar o pouco caso com que é tratada a questão. Direitos Humanos são universais e deveria ser destas coisas sacralizadas e cristalizadas na sociedade. O que vem a ser algo cristalizado nas consciências? A democracia americana é um exemplo: pode merecer críticas, pode ter contradições entre discurso e prática, no entanto, ninguém coloca em dúvida o sistema onde a liberdade é o bem inquestionável, logo o mais precioso. Entretanto, convenhamos: a noção do que seja Direitos Humanos reflete, lamentavelmente, o padrão educacional que os anos de relativo progresso econômico não conseguiram sequer fustigar a superfície: nossas escolas públicas, na sua maioria absoluta não cumprem minimamente seu papel. E as elites encasteladas no poder, trabalham para si, mantendo de maneira descarada seus privilégios.Exemplo: o disparate de juízes corruptos apanhados em flagrante delito é “aposentado” com vencimentos integrais! Ora, ora! O povo? Morre em filas de hospitais. Tudo isso são Direitos Humanos, mas os conchavos políticos permitem que se coloque no comando da importante Comissão alguém que simplesmente não deveria estar lá! A discussão vai longe, porém, vale perguntar: até quando? Até quando a consciência popular ficará amortecida e submersa? Ocorre-me outro dito popular: “que pílula estão a dourar?”
O Brasil é um imenso formigueiro, de formiga saúva, de formiga cabaça, de formiga caiapó, de formiga feiticeira, de formiga cortadeira, diria Macunaíma. E o próprio herói sem caráter dizia então: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.
A saúva venceu. O país se tornou um imenso formigueiro. As saúvas alçaram o controle total e absoluto e as formiguinhas/povo se perderam nos labirintos subterrâneos, de onde esperam um dia vir o sol. Até quando, formiguinhas, ficarão à espera do sol? Estariam enfeitiçadas, as formiguinhas operárias?
QUE PILULA ESTÃO A DOURAR?
*Esta frase tem o significado de se apresentar algo difícil ou desagradável como coisa fácil de aceitar. Nasceu de conhecida prática das farmácias antigas, que consistia em embrulhar pílulas em finos papéis, com o fim de preparar psicologicamente o cliente para engolir um remédio de gosto amargo. Do sentido literal, passou a metáfora e logo recebeu aplicação literário, estando um de seus mais antigos registros na peça Anfitrião, de JeanBaptiste Poquelin Molière (1622-1673), em que Sósia, na última cena do terceiro ato, diz: "o senhor Júpiter sabe dourar a pílula".] Dourar a pílula é ainda hoje tática sutil de persuadir renitentes, quando se procura destacar os aspectos positivos de algo desfavorável. extraído do Dicionário Informal WWW.dicionarioinformal.com.br
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