A violonista
e violeira francesa, Fabienne Magnant, é a convidada do Instrumental Sesc
Brasil, no SESC Consolação no próximo dia 23 de julho, com a participação do violeiro
brasileiro Ricardo Vignini
Será um show sui generis, pois
ambos se aproximaram da viola caipira por caminhos pouco usuais: Ricardo é
oriundo do rock e Fabienne, é violonista de formação, tendo estudado com Roland Dyens e Olivier Chassain. Em Paris lembra-se de ter ouvido viola caipira em disco, mas contato mesmo com o instrumento só aconteceu na sua segunda viagem ao Brasil, em 1999, ao encontrar um exemplar numa loja de instrumentos. Ela, que já possuía forte ligação com a musica brasileira, começava ali sua história de amor com o instrumento. Aprendeu a tocar sózinha, segundo a mesma "guiada pelos sons do Brasil!" Seus laços com a música brasileira tem fortes e profundas raízes, afinal, teve como mestres nada menos que Guerra Peixe e Baden Powell, entre outros, o que, talvez, explique a profunda identificação que ocorre no palco ao mergulhar nos acordes brasilianos: não é apenas a técnica apurada, ela mergulha no âmago da cultura, absorvendo os gingados, as cores, os sabores, retrabalhando-os com infinita delicadeza, sobressaindo o frescor de coisa nova ao mesmo tempo que respeita o espirito da obra, forjada na tradição. É assim, por exemplo, o que acontece ao ouvirmos "Baião Sans Nom" (Baião Sem Nome), de sua autoria: um tipico baião dançante, repleto de negaceios e fintas, como uma jogada do imprevisível Garrincha: uma obra aberta ao improviso.
Seu primeiro disco, de 1995, Memóire Vivent du Brèsil, (ganhou
nova edição remasterizada em 2015) é quase todo brasileiro, com musicas de Dilermando
Reis, Garoto, João Pernambuco, Marco Pereira, Ernesto Nazareh.
Ricardo Vignini
Há muitos anos se apresenta nos
palcos europeus como violeira e
violonista (nos cartazes anunciando seus concertos e mencionando os
instrumentos usados – guitarra clássica, guitarra flamenca e viola caïpira, note-se
a letra “i” encimada com um trema e podemos
bem imaginar o sotaque, o que deve nos deixar orgulhosos de algo tão brasileiro colorindo outros sotaques). Os puristas podem ficar sossegados, pois, por
ora, Fabienne não executa rasqueados, modas de viola, pagodes ou cateretês. A viola caipira para ela é um veiculo de
expressão para sua musicalidade extraordinariamente versátil, universal.
Fabienne, contudo, busca
compreender o mundo da viola e dos violeiros e busca desvendar seus segredos. À
maneira dos violeiros míticos tradicionais, Gedeão da Viola, por exemplo, trata
a viola com deferência e carinho, “conversa” com ela, procura saber suas
manhas, pois a viola, dizem, é caprichosa e geniosa e não se deixa revelar para
qualquer um, por mais virtuose que seja. Para ser um bom violeiro ou violeira,
não basta não basta dominar a técnica, é preciso conhecer o contexto onde se
efetua a criação, quase como um exercício de prestidigitação.
A Fabienne violeira, que se apresenta mundo afora não é uma curiosidade exótica, mas uma criadora musicista que vê no instrumento possibilidades que vão além do meio sócio cultural onde se tornou sinônimo. Isso vem a calhar, pois o interesse, a busca pela viola, principalmente entre os jovens, tem sido uma constante nos últimos anos, sendo estudada em cátedras universitária – nos primeiros, anos atrás, Adelmo Arcoverde, no Conservatório do Recife, chegou a ensinar viola nordestina – outra versão da caipira ou brasileira – escondido, pois a direção não admitiria a introdução da viola no ambiente erudito. O interesse, naturalmente, se deve ao fato de a viola caipira ser capaz de aureolar com seu timbre característico vários gêneros e estilos.
A viola tem muito o que mostrar. Suas possibilidades aos poucos estão sendo reveladas: pode ser utilizada em festejos populares (folias, congadas), obras sinfônicas (vide os trabalhos de Jaime Além e Adelmo Arcoverde, entre outros) e até na musica experimental, como já fez Fabienne com peças de Phillip Glass.
Fabienne e o percussionista François Kokelaere
(Num outro texto aqui no blog ser-tão paulistano, falamos de Fabienne como a navegadora de três mundos onde reinam as cordas dedilhadas: o clássico europeu, o caipira do interior do Brasil e o flamenco: vide o texto “Os Três Mundos de Fabienne Magnant”.)
Endereço: www.sertaopaulistano.com.br/2016/04/os-tres-mundos-da-violeira-fabienne.html
No show deverão ser mostradas musicas dos seus quatro discos. Além de composições próprias, musicas de Garoto, Nazareth, Gerardo Nuñez, Marco Pereira, um arranjo especial para "Asa Branca", de Luiz Gonzaga, um chôro de Jacob do Bandolim para duas violas, um maracatu, um solo de Ricardo Vignini, entre outras.
De Ricardo Vignini, que fará participação especial, podemos
dizer ser um violeiro caipira de fato, especialmente por conta de sua longa
convivência com Índio Cachoeira, mestre violeiro falecido recentemente. O
inquieto Ricardo realiza um interessante intercâmbio – apesar do olho torto de
alguns -, promovendo o possível diálogo entre os diferentes gêneros: toca os clássicos do rock na viola caipira com seu companheiro Zé
Helder e eletrifica clássicos do cancioneiro
caipira, na Banda Matuto Moderno. Não é uma mera mistura, mas sim a evocação
musical possível para o espirito da época. A boa e verdadeira musica anula
preconceitos. As Suites para Cello de Bach podem ser apreciadas nas mais
inusitadas versões, desde kalimba, violão,
até rifs metálicos, sem deixar de ser
as Suítes de Bach, que foram descobertas por Pablo Casals no final do século
XIX. Afinal, uma das caracteristicas da verdadeira arte é superar obstáculos.
A VIOLA BRASILEIRA, RETOMANDO SEU LUGAR
Não é de hoje
que a viola caipira, também chamada viola brasileira tem chamado a atenção para
além do ambiente caipira ou sertanejo, com o qual é identificada. Aliás, a
denominação viola brasileira, preferida
por alguns músicos, visa caracterizá-la como instrumento de teor mais universal, não prontamente ligado aos
caipiras ou sertanejos.
Curioso é que
a viola não tem sua origem propriamente na vida rural.
Quando da
chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, no inicio do Século XIX, a viola de arame, de formato bastante
aproximado da atual viola caipira, era um instrumento urbano por excelência, tocado na Corte, especialmente nos Lundus, que era uma forma, digamos, adocicada, de traduzir para a nobreza o o vigor dos ritmos africanos. As violas de arame eram muito variadas, cada região de Portugal tinha a sua típica. Só foi destronada da preferência dos músicos quando da introdução do violão.
Embora não possa ser afirmado categóricamente, é provável que date desta
época sua migração para o universo rural, deste o litoral (viola fandangueira),
interior profundo (viola caipira), nordeste (viola sertaneja), adaptando-se ao
caráter regional, de acordo com as necessidades ou gosto dos praticantes.
Acredito ser muito provável que nesse processo de transição do urbano para o
rural tenha se configurado as afinações caracristicas Cebolão e Rio Abaixo.
Viola de arame - rebaldeira
No nordeste,
na época áurea do repente, era o típico instrumento dos repentistas, juntamente
com a rabeca, com os quais travavam memoráveis combates litero-musicais. Sua
introdução na musica rural paulista, comumente chamada caipira, que teve em Cornélio Pires sua maior referência, se deu
muito tempo depois de sua chegada ao Brasil. Muitos podem chama-la de o
instrumento típico brasileiro e tal não estaria longe da verdade, apesar de ser
originária da Europa: foi em terras brasileiras que a viola encontrou morada e desenvolveu
seu estilo e timbres únicos, a ponto de se confundir com o morador típico da
zona rural. Assim, de patinho feio dos instrumentos, do mesmo modo que o caipira, antes discriminado, passou a
ostentar sua origem com orgulho.
Bem antes
dessa revolução que elevou a viola aos palcos nobres, pelo menos uma vez
estrelou os nobres eruditos: em 1971 o baiano Geraldo Ribeiro gravou Bach na
viola.
E acaba de vir
à luz um belo trabalho do gaúcho Valdir Verona, com livro de partitura e tudo, onde
a viola caipira é utilizada para expressar outros gêneros além dos
convencionais conhecidos.
É a viola, a
singela violinha caipira, retomando seu lugar de honra no reino dos
instrumentos.
SERVIÇO/AGENDA:
Outros concertos:
Dia 23 de julho,Sesc Consolação, 19:00
Dia 25 de julho Sesc Jundiaí
Dia 29 de julho no "Centro de Musica carioca Arthur da Távola", ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia)
OBS: haverá um concerto em Curitiba, sem confirmação de data.
Dia 29 de julho no "Centro de Musica carioca Arthur da Távola", ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia)
OBS: haverá um concerto em Curitiba, sem confirmação de data.