O “GIRASSOL”, DE VALDIR VERONA, PRA FESTEJAR O BALANÇO DE FINAL DE ANO

 

São muitos os presentes que nos chegam neste final de ano. Lembramos um velho clichê, Promessas ao Sol, do eterno Bituca:

Você me quer justo
E eu não sou justo mais
Promessas de sol já não queimam meu coração
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós? (Milton Nascimento/Fernando Brant)

 Mas o que nos chega não são promessas, são sinais de vida que ressurgem no caos. Ora, por trás do caos, existe a música brasileira – e aqui, parodiamos um lindo texto que Gonzaga Leal escreveu sobre uma de nossas maiores artistas: “por trás do caos, existe Consuelo de Paula...” num texto de uns dois anos atrás. (Infelizmente, não lembro o resto do texto.)

Dentre os gratos presentes que ganhamos, poderíamos falar de Kátya Teixeira no SESC Belenzinho, temporada que se transformará no CD “Violetas e Margaridas”, não por acaso repleto de latinidades – e não é que Violeta Parra, através de sua neta Tita, dá o ar de sua graça? Coisas de “Katchêrê”, a “mulher estrela”, que costuma nos encantar com sua arte. É tanta coisa boa que nem uma pequena parte cabe aqui, das gratas surpresas e promessas. Muita coisa boa nessa retomada que nos autoriza a acreditar, elementos que fundamentam nossa esperança através dno exemplo de tantos batalhadores pela justiça em terra de homens (e mulheres).

Valem os exemplos do passado, embora sejam irrepetíveis. Mas vale lembrar que  há mais de 50 anos (1969) o português José Afonso desafiava a ditadura salazarista com o provocante – dentre tantos – disco “Contos Velhos, Novos Rumos”. E no começo da década seguinte, aquele que deve ter sido o mais contundente provocador do mundo das artes portuguesas, José Mario Branco, sacudia o mundo com indo direto ao ponto, com o revolucionário “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, título nascido de versos de Camões! É por coisas assim que a Arte é atemporal. Acreditemos na esperança, pois fazemos parte da linhagem dos sonhadores.

GIRA, GIRA GIRASSOL

Neste que deve ser o ultimo post de 2021, falamos  do disco de Valdir Verona, mas poderia ser o “Tempo de Paz”, de Amauri Falabella. Ou das magnificas lives produzidas por Consuelo de Paula, Osni Ribeiro e tantos outros que se fizeram presentes , acalentando nossas aulas durante esses tempos sombrios, mas não haverão de sucumbir à foça da esperança que ressurge. Sinais de vida do Planeta que ressurge pós pandemia!


 

O disco do professor Valdir Verona vem a calhar pois vem vestido de sol e bordado por girassóis, na singela capa produzida por Kátya Teixeira. Guiado por Sol, viaja rio abaixo, em torno da nota sol, o inédito trabalho de Verona, não esgrima chamados de guerra, não sacode estruturas, mas sim pontua com delicadeza esse momento da história de nosso país em que, mais do que em qualquer outro momento, devemos lembrar quem somos, a consciência de nossas tradições, ao mesmo tempo que urge nos conectar com o mundo a nossa volta, viver o nosso tempo.

Valdir Verona é como essas aves migratórias que atravessam continentes inteiros levando e recolhendo noticias  sob forma de musica. Talvez por isso tenha uma impressionante capacidade de dialogar musicalmente com artistas de diferentes matizes, campo fertilíssimo para suas muitas atividades como músico, pesquisador, cantador. Valdir é um ponto de intersecção, alinhavando, concertando literalmente. Pausa para ouvir o cativante duelo, verdadeira epopeia poética, na faixa “Meu Irmão Violeiro” do disco de significativo título, “Na Estrada”, com o mineiro Luiz Salgado: “...a viola que dedilhas/ Vem de séculos distantes...”

Formar parcerias é da índole do violeiro de Caixas do Sul: o Duo Viola e Acordeon, com Rafael De Boni; o grupo Violas ao Sul com Oly Jr, Mario Tressoldi e Angelo Primon. Com o poeta Juarez Machado de Farias ocorre uma simbiose  musica/poesia onde não sabemos onde começa o poeta e termina o cantautar/musicista, embora os papéis sejam devidamente reconhecíveis. Poderia ser o inverso, o musico ser o poeta, o poeta musico ou se dispensar o acompanhamento instrumental, bem ao estilo a cappela. A considerar como sendo comum aos dois, a força expressiva da poesia/musica tornadas palavra viva, soando musicalmente; palavras e acordes, afinal irmanadas celebram a alegria, a amizade, o amor, as vicissitudes da vida, pois assim deve ser entre os homens e mulheres de boa vontade.

                                                 Duo Viola e Acordeon, com Rafael DeBoni

 

                                                           Com o grupo Violas ao Sul
 

O disco Girassol é emblemático pois não contém parcerias, com exceção da faixa "Chamamé Blues", com Oly Jr. Das dez faixas, oito são autorais. Completam a viagem musical uma Españoleta, de Gaspar Sanz, músico e sacerdote que viveu entre os séculos XVII e XVIII e El Condor Pasa, do peruano Daniel Robles, música por muitos considerada como o hino da América do Sul ou da própria Latinoamérica. Durante o disco, permeiam paisagens de desertos, de caatingas, elementos místicos. Girassol, o CD, é dotado de ricos sotaques, um voo solitário da ave migratórias – ou ribaçã. O violeiro Valdir, tornado pássaro, realiza voos seguros, conhecedor do caminho que percorre. Pousa aqui ou ali, como tem sido ao longo de sua jornada de mais de três décadas, toca e canta música para despertar. Da mesma forma que o girassol gira ao sabor do percurso sol, Valdir e sua viola, fluem ao sabor das culturas, dos ritmos, agrupando tendências, sempre em busca de encontrar o significado mais profundo do som primordial. A viola é uma companheira perfeita, pois é flexível, adaptável às culturas locais, às linguagens musicais (há muito a viola caipira deixou de ser nicho da chamada cultura sertaneja). Sua versão de El Condor Pasa, por exemplo, música centenária (1913), inúmeras vezes gravada (até pelo pop Paul Simon) ganha um arranjo inédito, dolente e enérgica, fiel, portanto ao espírito latino americano. Tem ares nostálgicos (seria sua porção lusa?) e aconchegante, lembrando um pouco o estilo sóbrio e clássico do argentino Eduardo Falú, contrapondo a versão eletrizante do também argentino radicado no Brasil, Lúcio Yanel. Seu toque é seguro, natural para um conhecedor da cultura de sua região, de seu Estado, de seu país, continente.


 

Gira, gira sol

Rio abaixo, Girassol.

Giramundo,

Revira  revive mundos

Que se perderam

Nas dobras de caminho:

Gira gira girassol.

 


A Arte gerada a partir dos anseios do povo vai um pouco mais além do conteúdo estético, que se usados sem fundamento na realidade, podem não passar de futilidades, e seus efeitos, por mais belos que sejam, enganadores. O Artista ao expor sua arte, expõe sua alma eterna,  Por isso, canções que falavam da busca de justiça e fraternidade entre os anos, seja de 50 anos atrás (canções de protesto no Brasil, em Portugal, na Argentina, no Chile, nos EUA, Espanha, por toda parte), a apaixonada composição do peruado Robles ou versos camonianos com cerca de 400 anos, continuam a ser atuais.

 


MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES (Trecho)

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.


Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

(...)

(Luis Vaz de Camões)

 

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