Quando ouvi pela primeira vez o álbum triplo de Ricardo Vignini inicialmente ocorreu-me que se tratava de uma síntese de sua carreira, que ultrapassa três décadas, comemoração esperada, especialmente se levando em conta suas múltiplas atividades – estritamente musicais como instrumentista, compositor, produtor e etc.
Mas o CD Ricardo Vignini 30 anos, está longe disso – de ser
uma síntese de sua obra. Pode, creio eu, ser uma síntese do que Ricardo é capaz
de fazer, em termos de originalidade e criatividade sempre revigorante de
alguém que se renova a cada dia junto a parceiros dos mais diferentes matizes,
lugares, “tempos” e tendências. O álbum triplo é composto pelos CDs “Reviola”,
“Sessões Elétricas Para Um Novo Tempo” (Trio com Fernando Nunes no baixo e
Ricardo Berti na bateria) e “Cubo”. Os dois últimos concebidos e produzidos
durante a pandemia
Ricardo, desde os primeiros passos na vida, começou sua trajetória no rock, como praticamente todos os urbanoides de sua geração. Rock-and-rol para ele, entretanto, sempre foi além dos decibéis da energia pura dessa música vibrante que revolucionou e seduziu o mundo a partir dos primeiros anos da década de 1950: Ricardo fez do rock uma matriz sólida para aprimorar suas habilidades como músico, sendo dos poucos capaz de dosar energia pesada com sutilezas que somente as almas sensíveis são capazes de captar. Seria por isso que ele nalgum momento da vida cismou de tocar viola caipira? Existe, de fato, simetria entre a viola caipira e o blues?
Com a palavra, os especialistas. Contento-me em acreditar que, se se encontrassem num mesmo palco Tião Carreiro, Índio Cachoeira, John Lee Hooker e Muddy Waters, Robert Johnson, o ancestral de todos eles, ficaria de queixo caído! Vou mais além: se Gaspaz Sanz, criador de xácaras & Canários, apeasse de uma nave do Tempo, ao ouvir esse som, iria juntar-se ao grupo. Isso, sim, pois Ricardo, como tantos mundo afora – Rollings Stones, Beatles, Elvis, Black Sabbath, etc. são herdeiros de uma imensa árvore comum!
Por isso Ricardo transita com tranquila naturalidade entre vários espectros
musicais, seja eletrificando a música caipira, através da atuação da banda
Matuto Moderno seja o inverso, levando a viola caipira ao rock e com Zé Helder,
protagonizando releituras de clássicos do rock como Metallica, Led Zepelin,
Nirvana. Suas parcerias abrangem um amplo leque, de André Abujamra, André
Geraissati, Socorro Lira, Indio Cachoeira, entre tantos. Não é por mero acaso ou
oportunismo momentâneo que artistas do porte de Lenine, Zeca Baleiro e Zé
Geraldo participam de seus trabalhos.
Para Ricardo, não existe território proibido na música,
mesmo que supostos puristas de um ou outro lado o olhem torto. Ele não se faz
de rogado: onde quer que a Deusa Música esteja presente ele chega, pede licença
e demonstra que música boa tem seu lugar garantido nos corações e mentes:
música é convergência.
Outra atração do trabalho que merece observação é a parte
gráfica, lembrando as clássicas “graphic
novels” de R. Clumb. E, pelo menos a mim parece, com um jeitão de filmes dos anos 1980: Wim Wenders, da Trilogia da Estrada; Jim Jamurch, de Down By Law (que no Brasil ousadamente foi chamado Daúmbailó, muito
antes de inventarem o Méqui...) e especialmente os Irmãos Joel e Ethan Cohen,
de Fargo, principalmente, com seus personagens nonsense, de comportamentos desconcertantes.
Nosso mundo está tão careta e violento, que precisamos
recuperar ou reinventar a leveza, para contrapor a violência. A propósito:
Reviola, Sessões Elétricas Para Um Novo Tempo e Cubo são trilhas sonoras já
prontas à espera de diretor e roteirista, pois ao ouvir, o tempo inteiros “visualizamos”
personagens, solitários ou em grupos, perambulando pelos caminhos e veredas,
ruas e becos, curtindo pores-de-sol ou auroras pós apocalípticas
Contudo, mesmo atentando para as cores fortes do psicodelismo,
o CD Triplo Ricardo Vignini 30 Anos é antes de tudo leve. Pode-se ouví-lo vezes
sem conta que em cada uma das 32 faixas está presente o ar de leveza da
esperança que nunca haverá de abandonar a espécie humana. Tudo porque o
paulistano Ricardo Vignini, nascido no bairro Santa Catarina, ali no Jabaquara
próximo à saída para o litoral, é desses violeiros que a cada acorde prenuncia
algo que será rotineiro em anos vindouros: a viola é um instrumento que veio do
passado para os tempos vindouros.
Abaixo breve mostra do incansável Matuto Moderno:
Discografia – Solo
– Cubo (Folguedo/Tratore) 2020
– Sessões Elétricas Para Um Novo Tempo (Folguedo/Tratore)
2020
– Reviola (Folguedo/Tratore) 2020
– Viola De Lata Ao Vivo (Folguedo/Tratore) 2019
– Viola de Lata (Folguedo Tratore) 2019
– Rebento (Folguedo/Tratore) 2017
– Na Zoada do Arame (Folguedo/Tratore) 2010
Discografia – Moda de Rock
(Ricardo Vignini & Zé Helder)
– Moda de Rock Toca Led Zeppelin (Folguedo/Tratore) 2018
– Moda de Rock II (Folguedo/Tratore/ProAc ) 2016
– Moda de Rock Ao Vivo com participações de Pepeu Gomes,
Kiko Loureiro e Os Favoritos da Catira (Folguedo/Tratore) 2013
– Moda de Rock & Viola Extrema (Folguedo/Tratore) 2010
Discografia – Matuto Moderno
– Matuto Moderno 20 Anos Ao Vivo! Participações de Andreas
Kisser, André Abujamra, Pereira da Viola e Chico Lobo (Folguedo/Tratore) 2019
– Matuto Moderno 5 (Folguedo/Tratore) 2013
– Empreitada Perigosa (Folguedo/Tratore) 2009
– Razão da Raça Rústica (Folguedo/Tratore) 2005
– Festeiro (Folguedo/Tratore) 2002
– Bojo Elétrico (Folguedo/Tratore) 2000
Discografia – Outros
- Terra Livre, com o português Gajo. Encontro das Violas caipira e
campaniça.
– Viola Caipira Duas Gerações com Índio Cachoeira e Ricardo
Vignini Ao Vivo (Folguedo/Tratore) 2020
– Nós do Rock Rural – Tuia, Tavito, Vignini, Zé Geraldo e
Guarabyra (Kuarup) 2019
ALERTA!!!
Quem ainda não adquiriu o disco que vale por três (ou mais)
que dê um jeito de achar, pois sua edição está limitado a 500 exemplares e não
demora muito a ser privilégio de felizes
colecionadores!