
A idéia foi mais uma súplica do que, de fato, um convite. É que passear na Oscar Freire numa quarta à tarde não é para qualquer um. Quer dizer, não é para qualquer mulher, apenas para as dondocas que desfilam em carros importados e sorriem suas caras de porcelana francesa, ou italiana. Ou para aquelas que trabalham com moda e estão em busca das tendências (ops, das novas propostas!), quiçá em busca de ser uma nova mulher. Ou nem tanto, talvez para aquelas que querem se encontrar mulher, apenas. E para este último caso, valeria um bom passeio, afinal, a última vez que caminhei sobre o novo calçamento da Oscar Freire foi por conta da “Cow Parade”, e para tirar fotografia de vaca na moda (sem duplo sentido, mas com uma boa dose de sarcasmo).

O luxo de uma iluminação planejada e de uma arquitetura moderna nos convidava a entrar em cada uma das lojas de alta costura. Todas com nomes de mulheres lindas e famosas que a gente nem sabia quem eram, pura ignorância. “Essa é a nossa única peça nacional, assinada pela Patrícia de Tal, todas as outras são italianas, de Milão”, disse a simpática vendedora olhando nossas roupas de baixa costura, sem proposta alguma. “Por que você não experimenta?” Fomos aos provadores e eu me senti invadindo um daqueles mundos proibidos, com placas luminosas gritando: isso não é pra você. Provei, provamos! E um “Vixe, é a prestação do meu apartamento!” escapou da boca da minha prima. Isso foi suficiente para nos colocarmos de volta à realidade e tocarmos o projeto inicial de apenas olharmos, para depois irmos às compras em outro lugar, mais barato, com corte e tecidos parecidos, mas não tão confortáveis e perfeitos quanto aqueles. Ou, de outra feita, valeria um curso de corte e costura, e nós sairíamos em busca de propostas e de bons tecidos, em outros redutos da cidade.


Mas o charme mesmo foi o John, de outra loja, que entramos meio a esmo, um pouco murchas. Ele nos conquistou logo de cara. E a única blusinha que escolhi, puxando-a da arara, transformou-se logo em quatro. Como uma lady, carreguei todas para o provador de luxo, entapetado, iluminado. Eu já estava achando muito divertido brincar de ser dondoca quando o John nos deu uma festa de presente, ao nos estender uma passarela. Então eu e minha prima, modelos de nós mesmas, nos encontramos mulher. Entre um desfile e outro das roupas tipo “olha essa que bonita, ela tem várias propostas” que ele ia trazendo, e que nós duas vestíamos e desvestíamos, desvairadamente, John nos serviu capuccino (eu abusei e tomei logo dois, mas só porque eu achei bem legal esse negócio de ser madame). Ele chegou a pensar em fazer Educação Física depois que perdeu dez quilos na academia, mas disse que o negócio dele é Comunicação. Nós fomos contando como é a vida na universidade, quem eram nossos alunos, as peculiaridades da coisa.
Faceiro, John me olha com o olhar tipo “não disse que esta blusa ia ficar muito bem em você?” e sai em busca de uma calça jeans. Eu relutei, porque eu não gosto de calça jeans, mas ele suplicou, “veste, só pra você ver”. Vesti, com a combinação de blusa que ele tinha sugerido. “Espera, vou buscar um salto e um colar pra você”. Desfilei-os como uma deusa, pois já havia virado hábito, e parei frente ao espelho um tanto pensativa. Então ele me diz entusiasmado: “nossa, você não pode se esconder debaixo das roupas, você é um mulherão”. Soltei os cabelos para mais um desfile, mas o que eu queria dizer mesmo era “tá bom, você venceu, pode embrulhar tudo”. Ele entendeu. E duas horas depois de termos entrado, John nos devolveu à Oscar Freire. Duas novas propostas. Eu com oito peças de roupa (incluída a calça jeans) e a prima com cinco. Uma heresia comprar roupas na Oscar Freire. Um frenesi.
“Que venha essa nova mulher de dentro de mim,
com olhos felinos felizes e mãos de cetim
E venha sem medo das sombras, que rondam o meu coração,
e ponha nos sonhos dos homens
A sede voraz, da paixão
Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das onças e lute com todas as forças,
conquiste o direito de ser uma nova mulher.“