Uberaba, terra cheia de acontecimentos que lhe permitem fazer bonita figura perante o mundo, veste-se de cerrado, refresca-se nas cachoeiras, capricha no tratamento dado ao gado zebu e tem sua “Terra dos Dinossauros”. É... O precioso pedaço tem nome e sobrenome e corre à boca pequena que será transformado, pela UNESCO, em patrimônio da humanidade.
Frederico Peiró saiu de Linares (Espanha), quase no final do século XIX. Por volta de 1895, já morava em uma região próxima 20 km de Uberaba, conhecida como Estação Paineiras[1] e administrava uma fábrica de cal. Meia dúzia de anos mais tarde, fundou a própria empresa e prosperou de um jeito que chegou a 150 funcionários e aproximadamente 90 toneladas de cal por dia. Sua produção era exportada para São Paulo, via estrada de ferro.
Tanto fez por sua Paineiras, implantando por lá escola e filial dos correios que, em 1924, o empenho foi reconhecido e seu nome carimbado na estação. O povo continuou na luta de cada dia, mas o trecho da linha férrea não mais quis ser. Peirópolis[2], quase foi a pique sem o remelexo do trem, não fosse a notícia de matéria dura e pedras esquisitas.
Em tempos de segunda guerra, operários trabalhavam na região, na expansão da linha de ferro, e encontraram uns estranhos ossos. A notícia chegou aos ouvidos de um farejador paleontológico, o gaúcho Llwellyn Price, que veio ligeiro. Langerton Neves da Cunha, profundo conhecedor de ervas e ungüentos, morador da Estação e amigo de Chico Xavier, tornou-se seu fiel escudeiro. Juntando esses ossos e outras preciosidades, Langerton aprendeu o ofício. Ele cuidava muito bem da Vila Cantinho Espírita – no centro da comunidade – e do seu museu paleontológico. Na verdade, uns guardados de pedras e formas diferentes que a natureza foi colocando em seu caminho e Price não mandou para o Rio de Janeiro.
A dupla descobriu fósseis com mais de 70 milhões de anos. Era Uberaba confortavelmente instalada no mapa da paleontologia brasileira. Hoje, bem assentados no local, o Centro de Pesquisa leva o nome de Price e o Museu dos Dinossauros tem em seu acervo exemplares, inclusive inteiros, de seres carnívoros, herbívoros, tartarugas, crocodilos, peixes, moluscos, crustáceos de água doce, microfósseis de plantas e ovos de dinossauro. A terra que tão bem acolheu Frederico Peiró é reconhecida como o mais importante centro de pesquisa paleontológica da América Latina.
Mas, não é só pelos dinos que Peirópolis se enche de sorrisos nos finais de semana. Há belas cachoeiras ao redor da estação e uma gente serena, que gosta de agradar o visitante, com um cafezinho fresco, uma fruta colhida no pé ou uns docinhos cujas receitas devem conter segredos tão antigos quanto os gigantescos répteis, considerando a gostosura e a variedade.
imagem: http://www.peiropolis.com.br/
E, se os dinos nos remetem a um passado bem remoto, que lembra ancestralidade e toda a mística que isso pode sugerir, Peirópolis também se proveu dessa idéia. Desde 1995 – quando foi criada – a Fundação Peirópolis mantém, no bairro, o Museu de Valores Humanos e promove estudos e eventos relacionados à Educação em Valores Humanos, baseados na proposta do indiano Sathya Sai Baba. imagem: http://www.peiropolis.com.br/
A próxima empreitada da Associação dos Amigos do Sítio Paleontológico de Peirópolis é implantar o “Caminho dos Dinossauros”, unindo o Desemboque ao vale dos dinos. A rota prevê, entre outras paragens, Sacramento, Gruta dos Palhares[3] e Chapadão do Bugre.
Cada passo de um desses répteis deve equivaler a uns cinqüenta de um humano, mas penso que eles acompanharão com entusiasmo o frejo divertido do trajeto. Afinal, se Santiago abençoa quem trilha seu caminho, é certo que os dinos zelarão de quem tão bem cuida de seus restos mortais.
Fim de tarde em Peirópolis (foto de Giovana Frange)
Réplica de um dino, instalada frente ao Centro de Pesquisa. Imagem: http://www.revelacao.uniube.br/
Iara Fernandes
* Para saber sobre o Desemboque, leia neste blog, O DESEMBOQUE E SEUS MUITO FILHOS
[1] Antiga estação Cambará, inaugurada pelo Conde D’Eu, em 1889.
[2] Bairro de Uberaba, cujo acesso se dá pela Br262.
[3] Considerada a maior gruta de arenito da América do Sul.