Boias frias urbanos

A trilha sonora, por conta do Mestre Elomar e o elepê Das Barrancas do Rio Gavião “rodando” na velha, fiel e boa vitrola embalam telefonemas, envio e recebimento de e-mail, orçamentos e layouts.

Da rua a buzina desnecessária de apressados e nervosos paulistanos (ah
! se ouvissem Elomar seriam outros), o alto falante no maior decibel possível com a irritante voz do vendedor de produtos de limpeza, do motor barulhento da velha kombi ( seria a “kombi sessenta e seis do japonêz?”) e da voz também irritante e no maior decíbel do comprador de latinhas e garrafas. O som da campainha (ah! por que será que a mão é tão pesada e não basta um simples e rápido toque?) dos vendedores de panos de prato, sacos de lixo, kits de costura que tem sempre o mesmo enredo: “compra prá me ajudar”. Trabalhadores “voluntários” de instituições filantrópicas pedindo roupas usadas para os velhinhos e crianças. Por que será que a sede “fica” em lugares da periferia distante quilometros e quilometros do local onde é feito o “pedido de colaboração”?.

Ah! mas a natureza compensa e, para descanso da tela do computador, a arvore em frente a janela está com toda a beleza da primavera e recebe visitas. Uma rápída passagem do silencioso beija-flor antecede o pousar e canto de outros pássaros que a memória, distante dos tempos bons do interior, não permite identificar pelos nomes.

Batidas de ferro na calçada, os sons chegando mais perto e a memória parece cobrar: e este som? lembra-se?. Barulho de enxadas. Mas como é possível aqui na cidade?.

Vou até a janela, peço licença aos pássaros, e a surpresa: são trabalhadores “capinando” os matos das calçadas. Bóias frias urbanos uniformizados, luvas e botas de proteção para atender as exigências da cidade mais rica do pais. Diferente das condições de trabalho vividas por um dos “capinadores urbanos” o Senhor Evantuilo, nascido em Tauá, Ceará onde foi trabalhador rural por muitos anos, que veio para o sul maravilha em busca de melhores condições de vida e, por “mãos do destino”, continuou na roça urbana.

O capataz de ontem, e ainda hoje existente nos nossos interiores, e aqui na cidade chamado de encarregado, também originário da terrinha, não permite muita conversa e ordena o continuar da lida.
O dever me chama, outro elepê na vitrola, a árvore e os pássaros como companhia da lembrança dos dias a capinar ou, “carpir”, a parada rápida prá água, que era trazida em uma moringa por um menino, pois a parada maior só era permitida para o almoço à sombra de uma árvore. A marmita era preparada de madrugada pela mãe e a boia era fria.

Os sertões são os mesmos no no “pais real, distante do pais oficial” como sempre diz o outro Grande Mestre Ariano Suassuna.

Nada pode ser tão paulistano e só aqui pode ser tão brasileiro.
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