Nossos tipos inesquecíveis

Havia uma revista americana, a Seleções do Reader”s Digest, um dos vários caminhos que os americanos, leia-se Estados Unidos, escolheram para “avançar sobre nossas mentes” no pós segunda guerra. Eram também o cinema, Nat King Cole cantando em espanhol, Walt Disney com o Zé Carioca,programas de boa vizinhança e etc. A Seleções era apenas traduzida em português e todo os textos eram de americanos sempre exaltando o way life e a “democracia” deles. Eram os tempos da guerra fria. Uma das seções era o Meu tipo Inesquecível. sempre exaltando, valorizando, registrando alguém que ficou na lembrança do autor. Conhecemos os tipos inesquecíveis dos outros e esquecemos os nossos.

Em tempos de páginas pessoais dos mais variados programas de internet há internautas que estão resgatando um pouco do que chamam de nossa memória. O Mané Moreno, meu amigo orkutiano e “paraguassuino” está, sendo moderno, bombando com a sua página de fotos de amigos.

Alguns dos Nossos Tipos Inesquecíveis estão lá. Tipos que fizeram parte da nossa infância, juventude e, muitos que pela sua genial inocência e lição de vida nos mostraram o caminho a seguir. E eles não sabiam disso, ou sabiam e não nos contavam?.

Eram chamados de “louquinhos” aqueles que tinham algum tipo de deficiência, mental ou física e eram respeitados, no sentido de respeito ao ser humano. Muitos eram adotados por famílias, moravam com elas e durante o dia ficavam “rodando pela cidade”.

Figuras lindas como a Nair Bicuda, namorada do Kibe, o Pelézão, o Natalino,o Pai Véio que falava tudo mais rápido que um locutor de joquei e sempre brigando com sua mulher, a Tereza,o Laurindo, a Dulce. O Primo, meu vizinho, era um fanático por café e, nos tempos em que portão e porta s eram apenas complementos das residências e ficavam abertos, entrava nas casas e tomava todo o café que ficava nos bules em cima dos fogões. Para evitar o furto as crianças eram encarregadas da vigília e oferecer uma caneca com um pouco de café. Agradecia, entrava em outras casas ia direto ao bule ou recebia o mesmo tratamento. Pouco depois já estava de volta na primeira casa e tudo recomeçava.

O Raul era O Chefe dos Bandidos, ah ! ser bandido era segurar na mão da menina no escurinho do cinema. A galera da época resolveu que o Raul seria o Chefe deles que, de imediato aceitou a convocação. Quando via as pessoas perguntava a elas “quem é o Chefe”?, respondiam “o chefe é o Raul, é você o nosso chefe”. Saia todo feliz dizendo “sou o Chefe, sou o Chefe”. O Raulzão era de família abastada e talvez para ampliar as funções de chefe logo de manhã acompanhava o caminhão de lixo e ia jogando as latas nos quintais fazendo um enorme barulho. Explicação: os lixos residenciais eram colocados em latas de óleo, querozene, as chamadas latas de vinte litros que as mães deixavam em cima dos muros. Os funcionários da prefeitura despejavam o conteúdo no caminham e devolviam ao muro. O Raulzão completava o serviço, “fazendo o favor” de amassar todas as latas jogando-as no chão.

O “Mané Boca de Ferro” foi o primeiro a fazer propaganda nas ruas com o seu aparelho de som em cima do carro que eram duas “bocas”, chamadas de cornetas ou as bocas de ferro. Manuel Junqueira Rosa era o seu nome, tinha verdadeiramente o dom da palavra, começou como locutor do serviço de auto falantes da Praça da Matriz antes de inaugurar o serviço móvel conhecido em toda a cidade. Quando passava, em meio aos anúncios, saudava os moradores, chamando pelo nome, perguntando pela família. Era a alegria das crianças, oferecia o microfone para elas cantar, dizer um alô.

Dizia ter uma memória formidável, que bastava uma olhada no texto e já estava pronto para as ruas, o que causava algumas falhas de comunicação. Foi chamado para anunciar um filme do Arnold Schwarzenegger, misturou o texto e esqueceu a pronuncia. Saiu informando “hoje no Cine São Manuel sensacional filme com o famoso ator americano Arnold e suas negas”. Logo a notícia chegou até o encarregado do cinema que saiu á cata do Mané e quando o encontrou disse “ tá bom Mané, anuncia só o filme, o ator americano é conhecido mesmo”.

O Mané também fez parte de um trio famoso na cidade: ninguém, e todos juram, viram eles colocarem a mão no bolso e de lá sair algum dinheiro. Os outros dois ainda estão vivos: o Carlito Pancada e o Mário Sampar.

Amigos queridos e maravilhosos, os que com suas “loucuras”, as suas deficiências ou eficiências me ensinaram a tentar viver melhor no mundo dos “normais”. A gente se reencontra uma hora, não vamos marcar não.

Inté mais ver.
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