Cunhã Etá Maloca

Cunhã Etá Maloca, lenda escrita por Barbosa Rodrigues, botânico brasileiro, João Barbosa Rodrigues (1842-1909) esteve na Amazônia com a missão científica imperial de 1872-1875. Conto disponível no livro: Os melhores contos de todos os tempos, organizado por Flávio Moreira da Costa. Editora Nova Fronteira.


Dizem que havia outrora, no rio Uanauá, moças virgens que guardavam os talismãs e os atributos de Jurupari.

Dizem que uma vez fugiu uma das moças e foi procurar marido.

Chegando ao mato e anoitecendo, aí dormiu. De madrugada estava chorando quando ouviu homens falarem.

Um deles estava dizendo:

- Eu não hei de casar; se encontrar uma moça bonita então me casarei.

Depois disso encontram a moça, e o homem, vendo-a, achou-a formosa e ela também o achou bonito.

O homem lhe disse:

- Queres te casar comigo?

A moça disse:

- Quero.

O homem então levou-a para sua terra.

Aquele homem era da nação Jacamim.

Os pais os casaram e depois de casados foram eles banhar-se no riacho e aí acharam a erva jacamim com a qual esfregaram o corpo e se lavaram.

Dizem que então ambos se transformaram em Jacamins.

Depois disso sentiu que tinha ovos e a barriga cresceu a não poder andar.

Dizem que a mulher dissera:

- Isto não são ovos, isto talvez sejam filhos.

Alguns meses depois deu à luz duas crianças, uma mulher e um homem.

Foram crescendo as crianças.

O menino era formoso e dizem que gostava de frechar, pelo que a mãe lhe disse:

- Meu filho, em tempo algum tu frecharás Jacamins.

A mãe deles nunca os vira quando dormiam; uma noite, porém, foi vê-los dormir.

Olhando para seus filhos, assustou-se.

A menina, dizem que tinha sete estrelas na testa, e o menino uma cobra de estrelas enrolada no corpo.

A mãe ficou assustada e chamou o marido para ver as crianças.

Veio o pai delas e assustou-se também. Falou:

- Eu sou ave, como é que tenho crianças?

Depois disso, dizem, foi ter com os pajés e disse-lhes:

- Que quer dizer isto: eu sou ave e minha mulher tem crianças.

Os pajés disseram-lhe:

- Também são teus filhos. Quando estiveste com tua mulher ela estava olhando para as estrelas e por isso saíram estrelas neles.


Enquanto o pai conversava com os pajés e a mãe foi também passear, o menino pegou nas frechas e no arco e foi caçar.

Encontrou Jacamins e matou todos.

Depois de ter morto todos, vieram outros que também matou. Depois foi pra casa.

Ele disse à mãe:

- Minha mãe! Eu matei todos os Jacamins. Vamos ver?

- Vamos.

Quando eles chegaram ela viu que o menino tinha morto o pai e todos os pajés.

A mãe disse-lhe:

- Meu filho, tu mataste teu pai e bem assim os pajés; agora ninguém nos dá o ustento. Tu nos estragaste muito.

Então dizem que o menino respondera:

- Não entristeça o seu coração, mãe; para isso estou eu; o que faltar eu lhe darei.

Depois disso foram para a terra dos avós.

Em caminho disse ao filho:

- Meu filho, como chegaremos à terra de teus avós? Quando outrora de lá saí não tinha filhos, estava virgem, agora teu avô há de querer meter-me na casa tenebrosa para que eu não conheça os homens.

- Deixe estar, minha mãe, eu verei; quando eu chegar lá eu acabo com essas coisas.

Quando eles chegaram na terra do avô, o menino pegou numa grande pedra e lançou sobre a casa e a achatou: as mulheres todas que lá estavam fugiram. A pedra que caiu pelo seu próprio peso afundou-se pela terra.

O avô quando viu aquilo teve medo do menino e toda aquela gente também teve medo dele.

Dizem que, então, o chefe falara:

- Eu toda vida estimarei muito a vocês, mas só quero que consertem o que estragaram ponham tudo como anteriormente estava.

Disse então o menino ao chefe:

- Eu também gosto de ver todas as coisas em seu lugar.

Ficaram então bem na terra dos parentes.

Depois disso, a menina por não ter marido adoeceu.

O menino então disse à sua mãe:

- Dê para mim minha irmã para eu levá-la e curá-la, porque só eu sei onde está o remédio.


Deste modo o irmão levou-a para o céu, por não querer que ela se curasse e é ela que agora vemos e chamamos as Sete Estrelas (Plêiades).

Vendo depois disso, a mãe, que eles se demoravam foi-lhes no encalço a procurá-los e quando passava por um riacho a cobra grande a engoliu.

Quando chegou o filho macho, não achando a mãe, foi também à sua procura.

Foi por todas as terras e por onde foi passando deixou filhos até encontrar sua mãe.

Depois de achar a mãe levou-a para o céu.

Ela é hoje aquela estrela que nós chamamos Pinon ou Cobra Grande.

O que eu conto foi no nosso princípio, na origem de nossos avós.
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