Pena Branca

[De Gafieiras]

Pena Branca e aquela coisa toda
Ricardo Tacioli

13.fev.10 – Faz quase uma semana que Pena Branca morreu. O violeiro de 70 anos de idade foi vitimado por um infarto impiedoso no começo da noite de segunda-feira (8).

Natural de Igarapava (SP), José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, encarou a infância e a adolescência trabalhando na roça com os pais e os irmãos. Com um deles, Ranulfo Ramiro da Silva (1942-1999), o futuro Xavantinho, formou dupla e começou a cantar em 1962. Mudaram-se para São Paulo no fim dos anos 1960, onde tentaram a vida artística se equilibrando entre trabalhos “formais” e palcos. A virada veio em 1980, quando participaram do Festival MPB Shell, promovido pela TV Globo. Classificaram para a final “Que terreiro é esse?”, de Xavantinho. Ainda naquele ano realizaram o sonho do primeiro LP da carreira da dupla, Velha morada, que apresentou uma versão para “Cio da terra”, de Milton Nascimento e Chico Buarque, revelando uma das características da dupla, a de reunir MPB e música caipira.

Um dos grandes incentivadores de Pena Branca & Xavantinho foi o apresentador e músico Rolando Boldrin, que em 1981 comandava o programa Som Brasil, na TV Globo, e por onde a dupla deixou suas pegadas. Boldrin dividiu shows com os irmãos pelo Brasil e produziu, em 1982, o segundo disco deles, Uma dupla brasileira.

Em 1987, o ídolo Milton Nascimento participou da gravação do LP O cio da terra ao cantar a faixa-título com Pena e Xavantinho. Neste disco, Tavinho Moura compartilhou sua voz em “Gente que vem de Lisboa” (dele com Fernando Brant) e “Peixinhos do mar” (tradicional); e os manos ainda interpretaram Patativa do Assaré (“Vaca Estrela e boi Fubá”) e temas folclóricos, como “Cuitelinho”, recolhido por Paulo Vanzolini.

De todos os discos que lançaram nos anos seguintes, Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho – Ao vivo em Tatuí (1992) destacou-se ao conquistar o Prêmio Sharp de melhor disco e o Prêmio APCA. Prêmios, aliás, que se acumularam: só do finado Sharp foram cinco. Apesar do fim da dupla em outubro de 1999, com a morte de Xavantinho, Pena Branca não abandonou a carreira.

Ele foi um dos responsáveis pela criação deste site de entrevistas. Em outubro de 2000, exatamente um ano após a morte de Xavantinho, fui à sua casa no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo, para conversar sobre o álbum Semente caipira, que no ano seguinte conquistaria o Grammy Latino de Melhor Disco Sertanejo. Papo longo, divertido, cheio de lembranças e de coisas ainda por vir. Saí de lá com duas fitas-cassete cheias e a convicção de que deveria voltar e registrar tudo novamente, mas de uma outra maneira, com vídeo e foto. Convoquei os amigos e colegas de trabalho Dafne Sampaio e Daniel Almeida, e liguei para o mano véio – como Pena chamava os terceiros. Tudo acertado.

Numa tarde daquele mesmo outubro, invadimos o quintal de sua casa. Como testemunhas, os cachorros comandados pelo vira-lata Tuca, passarinhos dentro e fora de gaiolas, e uma grande árvore, que deu a sombra para a entrevista. Conversa sem fim, entremeada de música, e algum receio de que São Pedro pudesse estragar a prosa e a cantoria, coisa que não aconteceu. Saímos de lá depois de um café reforçado com bolo servido por Dona Dolores, mãe de Pena Branca e uma das grandes incentivadoras de sua carreira.

Tornar público esse material é obrigação e uma forma de gratidão à Pena Branca, uma das figuras mais simples e bonitas que nossa equipe se deparou em seus incompletos nove anos de vida.

Neste primeiro áudio, o corintiano fanático falou dos nomes artísticos que ele e o irmão assumiram, como Peroba e Jatobá e Xavante e Xavantinho, e dos programas de rádio que apresentaram nos anos 1960. Ainda cantou algumas modas, como “Cabelo de trança” (Tonico, Tinoco e Zé Paioça), não gravada pela dupla.



Logo em seguida, sempre com bom humor, relembrou a primeira tentativa de vir a São Paulo, e como violeiro e jogador de futebol não tinham vez com o mulherio, ou melhor, não tinham cartaz com os pais das moças.



Nesta última pílula sonora, Pena comentou a importância de Xavantinho, com quem escolheu o repertório do disco Semente caipira; cantou a autoral “Casa amarela”, em que retrata a saudade do pai morto no início da década de 1950, e “Cantiga do arco-íris” (de Xavantinho com Arlindo Moniz, gravada no CD Pena Branca canta Xavantinho, de 2002), além de “Correnteza”, de Tom Jobim e Luiz Bonfá.





Discografia de Pena Branca & Xavantinho
Velha morada (Rodeio/WEA, 1980)
Uma dupla sertaneja (RGE, 1982)
Cio da terra (Continental, 1987)
Canto violeiro (Continental, 1988)
Cantadô do mundo afora (Continental, 1990)
Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho ao vivo em Tatuí (Kuarup, 1992)
Violas e canções (Velas, 1993)
Ribeirão encheu (Velas, 1995)
Pingo d'água (Velas, 1996)
Coração matuto (Paradoxx Music, 1998)

Discografia solo de Pena Branca
Semente caipira (Kuarup, 2000)
Pena Branca canta Xavantinho (Kuarup, 2002)
Cantar caipira (Velas, 2008)
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