KATYA TEIXEIRA E CONSUELO DE PAULA NA REVISTA FORUM

Elas estão na contramão das tendências, das modas. Não vão aos programas populares de televisão; também não estão nas paradas de sucesso das rádios. Entretanto, Consuelo de Paula e Katya Teixeira estão presentes em todos os cantos e cantares deste país, retratando nossa alma, com o afinco de pesquisadoras e o imenso talento que Deus lhes deu.
Reproduzimos, ipsis leteris, o belo e verdadeiro texto do Julinho Bitencourt para a Revista Forum sobre as duas representantes da cultura popular brasileira. Apenas acrescentamos, à guisa de ilustração, fotos das nossas meninas de ouro - como diria ZéMaria, o Guru e memorialista do ser-tão paulistano.
(a conferir: www.revistaforum.com.br/toquesmusicais/)



Toques Musicais – Consuelo de Paula e Kátya Teixeira
16 de março de 2012 às 9:32


Consuelo de Paula é uma guerrilheira da nossa cultura popular. Qualquer coisa a mais que se diga ao seu respeito contribui apenas para reduzir o seu universo e significado. Consuelo de Paula é imprescindível. Uma artista grandiosa, de modos e atitudes modestas que, com apenas três discos e agora o DVD Negra, tem garantido um lugar eterno entre os grandes artistas brasileiros.
Mineira, de Pratápolis, Consuelo de Paula se formou em Farmácia, mas abraçou mesmo a música. Desde menina brincava nas congadas, carnavais e folias de sua terra. Fundou um bloco feminino com apenas treze anos, cantou, dançou e compôs até não poder mais. Quando viu que não havia mais jeito, se profissionalizou.
Seus três primeiros discos são lindos. Divididos entre canções populares brasileiras, em sua maioria do folclore, e também composições próprias, são do que ela chama de sua fase amarela. Todos eles são homenagens à nossa cultura mais íntima e ancestral.
Posto isto, formou um dream team, dirigido pelo violonista e compositor Dante Ozzetti, e gravou seu primeiro DVD. Desta vez, sem se afastar muito das manifestações populares, Consuelo aproveita seu talento e extensão vocal, seu arranjador e a banda, para fazer algo extremamente sofisticado e um pouco mais urbano.
Ao unir seus tambores de minas a instrumentos de concerto, como o piano de Heloísa Fernandes, a viola de arco de Fábio Tagliaferri, o contrabaixo acústico de Zeca Assumpção, a bateria de Sérgio Reze, a percussão de Ari Colares e o clarinete de Zé Pitoco, a cantora consegue imprimir um sotaque universal à sua brejeirice mineira.




Aliado a isto, a direção de cena impecável de Elias Andreato e a direção do DVD de Maurício Valim, fazem de Negra um dos grandes lançamentos do ano. Tudo funciona perfeitamente. A integração dos músicos com o universo da cantora, o prazer e alegria ao dividir cada canção e, consequentemente, cada momento instrumental dentro de cada uma delas, tudo enfim fica escancarado, tanto ao público do lindo teatro Polytheama, da cidade de Jundiaí quanto ao espectador do vídeo.
Praticamente todas as canções do DVD, com exceção de “Folia”, de Lourenço Baeta e Xico Chaves; “Piedra e Camino”, de Atahualpa Yupanqui e “Caicó”, do cancioneiro popular, são de autoria de Consuelo de Paula com seus diversos parceiros, entre eles Rubens Nogueira, Luiz Salgado, Dante Ozzetti, e Vicente Barreto. E são exatamente as canções originais a outra ponta do tripé, junto com a cantora e os músicos, da tamanha beleza de Negra.
O nome do espetáculo vem do belo quadro de Ana Freitas, que serve como painel e tema do espetáculo. Cercada de talentos por todos os lados, Consuelo foi fotografada por Alessandra Fratus, que se destaca já há alguns anos pelos espetáculos que registra lindamente.
Negra, bem como toda a obra de Consuelo de Paula, é um marco da nossa cultura popular.





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Outra cantora que atua na mesma seara de Consuelo de Paula é a paulistana Kátya Teixeira que, na contramão de tudo e todos, se dedica totalmente à nossa cultura popular. Com uma voz linda e límpida, grande musicalidade e bom gosto, poderia trilhar todo e qualquer caminho dentro da música. Por pura e simples determinação da paixão, optou pelos mais tortuosos e longínquos. Com isto, é capaz de cantar o fandango de Cananeia, congadas de Jequitibá, toadas, modas e folias de todas as partes, além de namorar vivamente com a cultura latino americana, ou seja, tudo o que não toca nas nossas rádios e TVs.
Acaba de lançar o seu terceiro disco, o lindo Feito de Corda e Cantiga, que aguardou um intervalo de 14 anos desde o primeiro. Trata-se de um álbum completamente diferente de tudo o que circula por aí, a começar pela capa e pelo encarte. De saída, o lindo invólucro em papel pardo e encarte com papel reciclado nos deixa claro outra das grandes preocupações da cantora, o meio ambiente.
Posto isso, a partir do momento em que a música e a voz encantadora de Kátya Teixeira dão seus primeiros sinais, tudo faz sentido. Fragmentos que pareciam (e talvez estivessem mesmo) esparsos se reúnem e nos remetem de volta a nós mesmos, à nossa história e ancestralidade enquanto nação. E, para tal encantamento, ao contrário de buscar no folclore o seu repertório, a cantora nos disponibiliza canções de Paulo e Jean Garfunkel, Luis Perequê, Mochel, Chico Branco, Amauri Falabella, e ela mesma na linda “Mãe das Raças”. Um disco feito, portanto, a partir da obra de talentosos compositores que militam na canção de resistência desde sempre




Com uma beleza rara, descompromissado com mercados e vendagens, modismos e eventuais armações, o disco foi gravado de forma heroica, com a colaboração de músicos amigos de primeira linha, como Turcão, Jica, Thomas Rohrer, Marcelo Pretto, Gabriel levy, Ricardo Vignini, Cassia Maria, Manoel Pacífico, Aluá Nascimento, Ney Couteiro, Manassés Aragão, Rodrigo y Castro, Clara Bastos, Noel Andrade, José de Geus, Amauri Falabella, Daniel Figueiredo, André Venegas, os grupos Caiçaras do Acaraú, Jovens Fandangueiros de Itacuruça e Vida Feliz de Cananeia.
A sua abertura fica por conta da linda canção “Vem Comigo”, de Luis Perequê, uma bela evocação das gentes: “Vem comigo que eu vou lhe mostrar, quantos homens de bem têm os braços abertos pra nos abraçar”, onde ritmos latinos se misturam à rabeca nordestina, além de lindos vocais multiplicados por Marcelo Pretto e Sérgio Turcão.
Daí em diante, uma sucessão de canções com temas que se entrecortam, como a escravidão, os mitos Iorubás e brasileiros, os sertões das Gerais entre vários outros, fazem de “Feito de Corda e Cantiga” quase um documento etnográfico, um estudo de caso de como é, vive, canta e dança o povo brasileiro.
Num desencadear de temas, o disco anuncia seu final com o canto a capella de “Mãe das Raças”, bonita canção de Chico Branco e da própria autora. Logo em seguida, novamente o compositor Luis Perequê, que havia evocado o caminho dos homens na abertura, chama agora o da porta de casa em “Convite”: “Cantando eu abro o meu peito, o convite está feito e estou lhe esperando, na porta da minha casa”. Imperdível.Esta coluna é parte integrante da edição 106 da revista Fórum


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