Em 23 anos de
carreira, sempre que Kátya Teixeira prepara um novo trabalho, todos nós que acompanhamos sua trajetória nos seguramos nas cadeiras e prendemos a
respiração, ansiosos pela surpresa que se nos apresentará desta feita.
São 23 anos de palco
oficialmente, desde a noite em que subiu ao palco do Café Fubá, de Oswaldinho e
Marisa Vianna; na verdade, é muito mais, é toda uma vida dedicada a música. Antes mesmo de nascer já pulsava música ritmada, ainda no ventre
materno, ela que vem de uma família de artistas; musica era tão presente na
casa dos pais como o alimento, o próprio ar impregnado da poesia de João
Bá, dos acordes do tio Vidal França, da tia Mazé Pinheiro, do pai Chico Teixeira.
Kátya já nasceu
grande, trocadilho irresistível com suas performances que tornam o palco sempre
pequeno, como se a paulistana filha de alagoano e mineira precisasse do mundo
inteiro para se expressar devidamente.
“As Flores do Meu
Terreiro” é seu sexto disco solo. Embora não deva constar da Discografia
Oficial Solo, merece destaque a coletânea do “Dandô”, trabalho que resume sua
atuação político-cultural, trabalho-ideia que pode ser chamado resistência
cultural e de intervenção, pois estabelece um vinculo direto entre artista e
público, sem mediações. O "Dandô" é, digamos, a materialização do
sonho possivel de uma arte verdadeiramente popular envolvendo múltiplos
artistas e generos variados.
O saudoso Zé Gomes, juntamente com o violeiro Noel de Andrade chegou a sonhar com algo parecido, mas que envolveria certa infraestrutura mínima: uma cidade, por exemplo, seria durante alguns dias um pólo irradiador da cultura local. A idéia, infelizmente, não progrediu.
O "Dandô" foi tornado possível, porque apenas um artista se desloca de cada vez e assim é um trabalho de infiltração, marcado sempre pela extraordinária qualidade dos músicos e a proximidade do público. Apresentado em locais pequenos, geralmente é uma experiência inesquecível para quem participa. Maneira criativa e eficiente de valorizar a produção da arte autentica e popular, arte nascida e vivenciada no seio das comunidades, sem os carimbos comerciais que tem o intuito de apenas vender. Fazendo uma comparação um tanto grosseira, diria que os artistas que participam do "Dando" estão na nossa vida cultural da mesma forma que a simples comida caseira está para os chamados fast foods. Felizmente é uma experiência que se propaga e inclusive já existem movimentos semelhantes com ouras formas de arte ou de genero especifico: o Arreuni, encabeçado pelo violeiro João Arruda é um desses e sabemos de grupos de violeiros ("Violada", por exemplo) que se reúnem de forma parecida.
O saudoso Zé Gomes, juntamente com o violeiro Noel de Andrade chegou a sonhar com algo parecido, mas que envolveria certa infraestrutura mínima: uma cidade, por exemplo, seria durante alguns dias um pólo irradiador da cultura local. A idéia, infelizmente, não progrediu.
O "Dandô" foi tornado possível, porque apenas um artista se desloca de cada vez e assim é um trabalho de infiltração, marcado sempre pela extraordinária qualidade dos músicos e a proximidade do público. Apresentado em locais pequenos, geralmente é uma experiência inesquecível para quem participa. Maneira criativa e eficiente de valorizar a produção da arte autentica e popular, arte nascida e vivenciada no seio das comunidades, sem os carimbos comerciais que tem o intuito de apenas vender. Fazendo uma comparação um tanto grosseira, diria que os artistas que participam do "Dando" estão na nossa vida cultural da mesma forma que a simples comida caseira está para os chamados fast foods. Felizmente é uma experiência que se propaga e inclusive já existem movimentos semelhantes com ouras formas de arte ou de genero especifico: o Arreuni, encabeçado pelo violeiro João Arruda é um desses e sabemos de grupos de violeiros ("Violada", por exemplo) que se reúnem de forma parecida.
Ao longo da
história são movimentos autonomos como esses que tornam possível a preservação
da arte genuína ou a propagação da cultura em lugares que jamais chegaria do
modo, digamos, tradicional. Vem a mente enquanto batuco meu teclado a atuação
do poeta espanhol Garcia Lorca que nas primeiras décadas do século XX realizava
incursões pelo interior da Espanha com sua trupe teatral itinerante, denominada
La Barraca, levando arte aos mais
distantes rincões da Peninsula Ibérica.
Neste sexto
disco, Kátya Teixeira não se repete, a exemplo dos discos anteriores, por mais
importância e significado que possa ter tido a temática escolhida. É a
constatação viva de que a arte popular é tão variada, o manancial é tão rico
que não é possivel repetir-se, se assim o quiser! Para se ter uma idéia, vale a
pena ouvir em sequencia os discos e formalizar, cada um, uma ideia de seu jeito
inquieto de ser e de estar no mundo. Oiçam, pela ordem:
- Katcherê; -
Lira do Povo; - Feito Corda e Cantiga; - Dois Mares; - Cantariar; - As Flores
do Meu Terreiro. (Além, é claro, de
ouvir a Coletânea do Dandô, o ponto de intersecção entre povos, artistas e
culturas do Brasil).
Se cada um dos
trabalhos anteriores era o coroamento de uma idéia (por exemplo, Katcherê, o disco de estréia, é um
convite a percorrer um caminho; Lira do
Povo, dá voz ao próprio povo esquecido; Feito
Corda e Cantiga, uma celebração às parcerias; Dois Mares, em parceria com Luiz Salgado, uma viagem simbólica
pelos portos e mares português e brasileiro; Cantariar, uma longa história de parceiros, parcerias e influências
mútuas, um resumo biográfico de sua trajetória), este As Flores do Meu Terreiro pode ser chamado o “disco dos afetos”, um
retrato multifacetado de seu universo e do que a motiva. Disco dos
afetos, pois as relações afetivas estão presente o tempo todo; não os temas
amorosos tradicionais, mas o amor das amizades e parcerias sinceras, amor pela
Arte e sobretudo, amor pelo povo que inspira a cantora, compositora e
pesquisadora.
POESIA QUE
LIBERTA
As Flores do Meu
Terreiro foi lançado oficialmente no Sesc Belenzinho num significativo 13 de
Maio e esse acaso acabou por ter um significado mui especial. Este
dia, 13 de maio, também pode ser, simbolicamente, chamado o Dia da Libertação
do povo como um todo. Ou o dia da superação, pois no fundo é uma conquista de
todos nós e assim deve ser sempre lembrado, refletido.
E no dia da
libertação, foi lançado o Disco da Libertação, embora esteja longe de mim a
ideia de dar ao evento qualquer dimensão politica; qualquer tentativa desse
genero o transformaria em simples
panfleto; por isso, tal leitura é por conta e risco de cada um.
É um trabalho
essencialmente poético e os poetas não necessitam da razão para expor suas
verdades, ainda bem. A dimensão politica fica ao rés-do-chão e o artista
move-se noutras dimensões, quiça espirituais e por isso sua visão aguçada e
sensível pode aos nossos olhos parecer distorcida.
Walter Benjamin,
no livro Um Lirico no Auge do Capitalismo, identifica o mal estar presente na
poesia de Poe e Baudelaire como a revolta latente pressentida num sistema que
então auferia riquezas à custa de terríveis sofrimentos, sujeira, exploração.
Esse mundo brutal que o poeta impotente percebia, não conseguia traduzir em
palavras racionais pois tudo era horror (o capitalismo em seus
primórdios pareceria aos nossos olhos acostumados a globalização do século XXI
como um portal do inferno, com jornadas diárias de 20 horas sob o jugo de
chicotes. Algo que o trabalho escravo que por vezes se descobre nos nossos dias
é uma comparação bastante sutil), como é horror a exploração do homem pelo
homem em qualquer aspectos que possamos imaginar - cultural, politico, econômico.
Que poderiam fazer pessoas como
Poe ou Baudelaire ou outros como eles perante o horror, além de expressar-se do
único modo que sabiam?
O poeta é um ser em carne viva. Para
o bem ou para o mal. Existe muita verdade nas palavras do mexicano Octavio Paz
quando este diz referindo-se à poesia: “...pão
dos escolhidos, alimento maldito; isola, une.”
A voz do poeta é a voz do
inconsciente. A outra Voz.
As Flores do Meu Terreiro pode,
sim, ser o disco dos afetos e da libertação. Todo ele
é uma prece, ora solene, ora
pungente, mas especialmente de uma alegria contagiante, descontraída, sincera,
pois se sente que cada um dos que contribuíram para a feitura do trabalho o fizeram
de coração: Paulo Nunes, Consuelo de
Paula, Paulo Matricó, Erick Castanho, dentre outros, passando pelo belíssimo
trabalho gráfico produzido pelo Projeto Tear, de Guarulhos, feito com papel
reciclável acompanhado de sementes flores da singela onze horas, perolado pelos desenhos de Naila Pommé.
A liturgia desse trabalho
marcante, pontuado de oração, folia e dança é, afinal, uma festa, com momentos
para reflexão. Talvez por isso seja uma obra feita para nos ajudar nos tempos que
vivemos atualmente.
O disco, como é costumeiros no trabalho de Katya e seus
companheiros, é um chamamento para uma tomada de consciência para o valor de
nossa gente.
A gente brasileira merece – e
terá! – um destino melhor do que nossa política demonstra.
O valor de nossa gente é algo
revolucionário e tem um frescor alegre. É muito antigo – se perde no tempo! – e
igualmente acaba de nascer – pois a arte popular é isso: se renova
constantemente e esse sopro renovador é o ar que nos liberta e afinal, nos salva!
O povo que produz artistas como
Kátya Teixeira só pode ser um povo vencedor!