NOS CAMINHOS DO DANDÔ – CIRCUITO DE MUSICA DÉRCIO MARQUES


Primeira Nota:

O texto que se segue pretendia ser uma ampla discussão sobre o caráter e o papel do artista “independente” frente ao mercado fonográfico e o
publico consumidor, a forma como o mesmo surgiu formando um “nicho” bastante
sólido, não sujeito às oscilações costumeiras que regem o mercado consumidor, uma vez que se trata de um consumidor de outra natureza; gostaríamos de enfatizar as formas criativas e mesmo heróicas de como encara os desafios crescentes.
Entretanto, consideramos que o espaço do blog, por demais limitado, era inapropriado para tratar de questionamentos tão profundos...
 Por isso, limitar-nos-emos a rapidos vislumbres que, salientando desde já que o artista independente modifica suas estratégias ao longo do tempo, sempre de acordo com as tecnologias novas que vão surgindo. Fato é que subsistem corajosamente,
dando voz e vez ao talento. O público faz bem em buscar
alternativas em vez de reclamar da mesmice.
Insistimos, que o artista independente, a despeito de descrever
suas agrura e dificuldades de trabalho, como sendo  uma força positiva. Aqui não será o espaço de lamúrias, de queixas, criticas; nada de comiseração, autoindulgencia ou autovitimação. Sustentamos e afirmamos que o artista independente existe e resiste bravamente. É força propulsora  e inspiradora.
A presença, por vezes super discreta, quase invisível do artista independente face o mercado em geral, é semelhante as folhas de relvas, avança, implacável e silenciosamente, tomando conta dos espaços, muitas vezes de forma irreversível.
Afinal, nem só de pão se vive;
Não só nas grande e poderosas gravadores que se garante ouvir boa música!


No mês de setembro, em São Paulo, no encerramento da Ocupação Kátya Teixeira, no UNIBES Cultural, na Rua Oscar Freire, ao lado do metrô Sumaré, participamos de uma Roda de Conversa. O evento marcou os primeiros cinco anos de atividade do Projeto DANDÔ e quem o conhece, sabe que durante a cantoria ou no encerramento, abre-se um espaço onde se discute e explica a natureza do projeto, sua intenção e os objetivos. (Maiores informações, atualizadas: http://www.facebook.com/circuito.dando e também: www.circuitodando.com)

Nesta Roda de Conversa, reunindo pessoas de diversas regiões, até do exterior, se discutiu também o papel do artista de modo geral, sua relação com o público, seu papel na sociedade e os rumos que a arte aponta no país e na nossa região como um todo, nossa América Latina. Chamou a atenção, especialmente para quem não acompanha as discussões internas do grupo, o papel do público, aqui tratado não somente como “consumidor”, mas sim, como parceiro. No Projeto DANDÔ o publico não é somente o destinatário final de um produto e esse novo modo de ver as coisas aponta para um mundo e uma sociedade que precisa rever seus valores. Idéias como preservação dos recursos naturais, sustentabilidade, etc., circulam pelo mundo desde os finais dos anos 1960 e talvez até antes, nos anos 1950, quando surgiram com grande força os “cantores militantes”, tanto na América do Norte (Woody Guthrie, Leadbelly, etc.) como na América do Sul (Atahualpa Yupanqui, Violeta Parra, etc.) Os artistas independentes e o publico que os prestigia se inserem nesse novo padrão de visão de mundo, que questiona os valores do consumo desenfreado, sem limites. Dentro do Projeto DANDÔ, existe uma notável simbiose entre artista e público, todos se envolvendo direta ou indiretamente.



CINCO ANOS DE DANDÔ

A Ocupação Katya Teixeira, no UNIBES, foi o evento que marcou os primeiros cinco anos do Projeto DANDÔ – Circuito de Musica Dércio Marques.
“DANDÔ” é sinônimo de cantoria. Cantoria é sinônimo de Dercio Marques, por isso esses elementos se misturam e interagem, da mesma forma côo Dércio fazia com suas “Canções Bordadas”, onde nas suas apresentações, costurava, à maneira de improviso, uma canção à outra, formando um vivo colorido. A expressão, riquíssima, é uma corruptela do verbo “andar” (dandar, dandei, dandô), usada pelos pretos velhos e foi extraída da música “Dandô – O Circo das Ilusões/Vento Bandoleiro", de João Bá e Klecius Alburquerque. Ao longo do tempo foi fundida/juntada com outras composições, como por exemplo,  Canto dos Ipês Amarelos, Canção dos Ipês, Roda Gigante, de Guru Martins. Atenção aos irresistiveis versos de "Dandô - Circo das Ilusões/Vento Bandoleiro:

Dandô, ô dandê
Olha o vento que brinca de dandá
Ele vem pra levar as andorinhas
Ou quem sabe a canção pr’uma janela
Saciar o ipê que se formou
E roubar suas flores amarelas..”

O projeto surgiu nos encontros ocorridos em homenagem a Dércio. O mineiro de Uberaba  foi literalmente um andarilho da música. O nômade da musica poderia estar hoje aqui, amanhã acolá e depois de amanhã, sabe-se lá onde.
Irriquieto, nunca parava em lugar nenhum, apesar de muitas tentativas de se “estabelecer”, fincar fundas raízes, ele que desde muito cedo se interessou pelas raízes musicais do Brasil e América Latina.
Sua existência foi um movimento constante, pelos quatro cantos do país e da América do Sul (conhecia e tocava bem todos os instrumentos de cordas dedilhadas usuais na região: violões, violas, cuatro, charango, etc.). Realizou incursões por Portugal, para onde viajou especialmente para conhecer o trovador José  (Zeca) Afonso. Por conta de sua constante movimentação, curiosidade e indiscutível talento, Dércio foi um fomentador de cultura musical: onde chegava, imediatamente entrava em contato com artistas locais  e a inevitável roda de musica surgia. Ao levantar acampamento e partir levava na bagagem musicas e histórias. De vez em quando parava num lugar por mais tempo e fazia um disco. Na feliz definição de um blogueiro cujo nome me foge a memória,
“... de vez em quando o andarilho parava  e levantava uma torre em forma de disco, registro para a posteridade.” Assim surgiam seus registros em forma de disco, cujos direitos ele geralmente perdia, pois mal terminava um e viajava, sem cuidar da parte legal (seu parceiro Zé Gomes confidenciou ao autor destas linhas que um dos melhores discos de musica brasileira já realizados, o “Terra Vento Caminho”, jamais renderam aos artistas um centavo sequer).



E por onde andava, com quem estivesse, seu envolvimento era total, fosse com músicos, agentes culturais, autoridades, principalmente a simples gente do povo. É comum encontrar em seus velhos LPs agradecimentos à pessoa que cuidava do local, à pessoa do ‘cafézinho’, como se pode ver na contracapa de Canto Forte – Coro de Primavera: vejam la, na 4ª linha de baixo para cima:





E assim, ao longo das dezenas de anos que durou sua atuação, formou uma verdadeira Rede de colaboradores espontâneos. Ele foi não só um artista de primeira grandeza, um “cantador” de epopéias do melhor estilo provençal/romancesco, mas uma importante referência musical e cultural para muitos. Um semeador, de personalidade carismática e aglutinadora, que concebia à arte uma aura de pureza só encontrada nos menestréis, para quem a arte é não só meio de vida, mas estado de espírito.

O Projeto DANDÔ basicamente refaz a atuação musical/cultural de Dércio. Procura, na verdade, por um pouco de ordem naquilo que ele fazia de forma caótica e instintiva. O que podemos chamar “novidade” é que desta feita em vez de UM Dércio, são dezenas, ou centenas de artistas e colaboradores envolvidos pelo espírito derciano, direta ou indiretamente envolvidos assegurando a realização de cada empreitada.
Embora seja um empreendimento extremamente difícil, pois depende de empenho e talento, tem funcionado a contento no que tange aos objetivos traçados, pois conta com a força e talento de uma artista que tem sido a própria encarnação do espírito da arte popular: Kátya Teixeira, uma de suas fiéis discípulas, igualmente agregadora e desprendida, a quem cabe a Coordenação nacional do Projeto. A parte mais difícil e delicada, a do financiamento, tem sido resolvida  através de combates em várias frentes, sendo a mais utilizada o sistema de financiamento coletivo – em cada show, em cada disco, colaboradores, público e artistas, se ajudam/financiam mutuamente.



SOBREVIVER DE ARTE? É POSSIVEL?

Há possibilidade do artista viver de sua própria arte nos dias que correm? A resposta é que SIM, é possível. Como se pode imaginar, depende de muitos fatores e não é uma questão de talento e capacidade, mas uma soma de outras características. Se nos áureos tempos das estrelas do disco a gravadora dispunha de um amplo sistema a serviço do artista - produção, divulgação, marketing, agenda -  hoje o artista normalmente é seu próprio produtor, secretário, divulgador.

Essa discussão, entretanto, tem um tanto de lugar-comum. Éponto de partida, não conclusão. Na verdade, reflete a condição de estagnação de noções de cidadania e educação, condição provavelmente derivada dos anos de ditadura, em que as grandes massas se habituaram a ser conduzida e não a tomar rédeas de seu destino (aos que miseravelmente defendem a volta da ditadura, que não se esqueçam disso: ditaduras, de qualquer espécie, bloqueiam toda espécie de liberdade de pensar, consequentemente de criar. Seus efeitos danosos são múltiplos e se refletem a longo prazo. Não se vive impune um período de pós ditadura).
Além disso – da necessidade de se afirmar enquanto artistas, ganhar publico, dinheiro, ser reconhecido, vender discos e shows - existem os implacáveis interesses mercadológicos, quase nunca compatíveis  com os ideais do artista: a combinação Arte & Dinheiro não é algo corriqueiro, pois, embora o dinheiro seja a parte fundamental, nem sempre nem sempre é determinante, como é o caso dos artistas em questão. Daí, a necessidade do artista independente, fundamental para quebrar paradigmas.

A ARTE COMO INDUSTRIA,  O ARTISTA COMO OPERÁRIO

Sendo a Arte uma indústria, onde entra o artista? É ele – artista – uma mera peça da engrenagem industrial ou o elemento principal? Embora seja algo aparentemente óbvio, não é bem assim. São pouquíssimos, os que tem controle do seu próprio produto. A Arte, a obra, e o próprio artista, tudo isso acaba entrando de roldão no processo de produção e não é comum o artista ser tão somente uma peça de engrenagem da industria. Não é de hoje – digamos desde a década de 1980 – desde  quando as novas modalidades tecnológicas eram ainda era incipientes – que artistas reconhecidamente talentosos, com prestigio internacional – davam-se por  satisfeito em gravar e ter sua obra lançada. Ganhar dinheiro, digamos, era “outra coisa”, fazia parte de outra concepção de universo. Mesmo os artistas viáveis economicamente, as “estrelas” da música, no que tangia ao dinheiro, sua parte no negócio, era sempre ínfima em comparação com o montante envolvido. As clássicas duplas sertanejas venderam milhões de discos e pouco viram da cor do dinheiro.
Não só aqui, reconheça-se. Até na Pátria do capitalismo, nos EUA, o “show business” se tornou negócio lucrativo de um certo período histórico para cá, desde que se tornou premente situar a Arte em face ao capitalismo: o conceito “industria cultural” foi o termo adequado, cunhado pelos filósofos alemães Adorno e Horheimer, que valeu por parte de Walter Benjamin – outro filosofo da mesma escola – agudas e severas análises críticas, pois para esse último, a obra de arte criada em forma de linha de montagem, perdera a aura que a distinguia dos objetos comuns...

A SEMPRE VIDA DURA DOS MENÉSTRÉIS

Mas os artistas sempre existiram e sempre vão existir, independente de ganharem dinheiro ou não, pois a expressão artística é acima de tudo uma extrema necessidade de expressão. Ganhar dinheiro, com exceção daqueles que eram de famílias ricas, não é uma conseqüência direta, tal como ocorre com outras profissões – certamente porque não é uma profissão como as outras. Deveria ser, mas não é. Como regra geral, os artistas sempre foram pobres. Os versos de Pablo Milanês, numa canção que Dércio imortalizou ajudam a explicar um pouco dessa condição:

Pobre do cantor de nossos dias
que não arrisca sua corda
pra não arriscar sua vida

Pobre do cantor que nunca sabe
que fomos a semente
e hoje somos vida

Pobre do cantor que um dia a história
o apague da memória
sem ter tocado em espinhos...

(Pobre do Cantor, do disco Canto Forte – Coro de Primavera)

Nos áureos tempos de soberania da Arte, os artistas eram mantidos pelos “mecenas”, famílias poderosas que  tutelavam pessoas com dotes artísticos. Bach, por exemplo, sempre viveu sob a tutela de nobres, condes, príncipes, sempre um empregado nas Cortes e nem sempre suas tarefas foram de acordos com suas pretensões estéticas. Um de seus biógrafos, Eric Siblin, nos conta que Bach chegou ao ponto de secretamente “terceirizar” certas atividades, como o acompanhamento de atividades escolares de seus alunos, pois isso fazia parte do contrato assinado com determinado príncipe. A propósito, o grande Bach, em seu tempo, era mais conhecido como um rigoroso “professor” do que o gênio musical...

Ao longo de sua obra ensaísta, o poeta Octavio Paz questiona em várias passagens, mas notadamente n’O Arco e a Lira, o papel do poeta e especialmente, do intelectual, como sendo atividades pouco afeitas a “ganhar dinheiro”, uma vez que um de seus papéis fundamentais era justamente ser a consciência crítica da sociedade, dar voz àqueles que não podiam ser ouvidos e conseqüentemente, caminha em sentido contrário aos interesses de quem detém o poder, seja em que âmbito for: militar, econômico, eclesial. O próprio Paz assegurava a maior parte de seus rendimentos ministrando cursos e palestras, além de sua atividade como embaixador. Poesia?

 “Poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Capaz de mudar o mundo, revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação (...) pão dos escolhidos, alimento maldito. Isola; Une. (...) Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. (...) ostenta todos os rostos, mas há quem afirme que não possui nenhum (...) (palavras iniciais de O Arco e a Lira, um dos manifestos mais contundentes sobre a poesia nos tempos modernos, sendo ela, poesia, o elemento de libertação por natureza.

Sempre vale lembrar a dramática e terrível situação do poeta Baudelaire, sempre vivendo em situação de penúria, mas que se recusava terminantemente a escrever “entretenimento” para consumo das elites;  Baudelaire que financiou do próprio bolso a primeira edição d’As Flores do Mal e a tiragem de 700 exemplares encalhou, sendo massacrada pelos críticos, considerando os versos que retratavam as angústias e contradições da Modernidade como subgênero da pior subliteratura. A ‘obra prima’ da poesia moderna só foi descoberta anos depois de sua morte, dentro de algumas caixas empoeiradas.
Entre nós, os gênios de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, felizmente reconhecidos em seu tempo, eram regulares funcionários públicos, de onde extraiam a garantia do regular pão de cada dia. Se a história tende ao avanço civilizatório, é justo pensar que talvez algum dia os fazedores de arte tenham seu valor reconhecido, da mesma forma que os professores que dedicam suas vidas à pesquisa e estudos.

 COM A PALAVRA, O ARTISTA

Na Roda de Conversa, fomos privilegiados ao ouvir os próprios artistas versando sobre sua condição. Afinal, estamos do “outro lado”, somos consumidores de arte, seja da musica comercial, mas de qualidade, seja dos artistas alternativos ou independentes, que para nós é sempre uma garantia de qualidade, pois o trabalho “independente” costuma primar pela excelência no que concerne a liberdade e criatividade.
O artista “independente” tem a justa pretensão de ser bem pago por sua atividade. Mas suas dificuldades são multiplicadas, porque não é fácil nem simples fazer – e fazer bem! – múltiplas funções, mesmo que se resumam a dois itens: criar e vender sua arte.

Havia ali muita gente, além de outros que conhecia de nome, e outros ainda completamente desconhecidos até então. Além da própria Katya, lá estavam: Giancarlo Borba, artista e militante da velha escola, atuante nas reivindicações sociais, presença de artista muito viva no imaginário da América latina através dos ícones Violeta Parra, Victor Jará, Atahualpa Yupnqui; Sol Bueno, esposa de Giancarlo, cantora, compositora, instrumentista, uma das Coordenadoras do Projeto DANDÔ; Marcelo Taynara, verdadeira autoridades em Congadas e Moçambiques;; Victor Baptista, violeiro e educador; Cardo Peixoto, violeiro, cantor, compositor e Coordenador do DANDÔ no extremo sul. E havia mais,  muito  mais, inclusive de outros países do Cone Sul, da Argentina, Chile, Venezuela, etc.

Todos eles tem em comum, além da arte, a militância social e inevitavelmente, política, mesmo que não professem abertamente nenhum credo.
Por conta de sua atuação e preocupações sociais, na verdade, esses “artistas” deveriam ser chamados “educadores”.

Cantores de oficio? Pode ser um bom mote, pois, embora o dinheiro e a sobrevivência, tenham importância crucial, existe outro compromisso intrinsecamente ligado, tão ou mais importante – daí, a importância de serem considerados educadores: questões voltadas à cidadania, à educação, a importância da pesquisa, a formação de novos públicos, etc., são elementos com os quais eles tratam no dia-a-dia; são artistas, porém, “artistas” de outra natureza, provavelmente situados num meio termo entre a necessária e inevitável “industria cultural”, que lhes assegura a sobrevivência, e o compromisso tácito com as comunidades onde atuam. A atividade que cumprem, os vários papéis que exercem, seja na produção das próprias obras ou colaborando com outros,seja ministrando cursos ou ensinando a tocar instrumentos, ensinando danças,  torna-os um novo gênero de “artistas”, pois são trabalhadores regulares e educadores (ser apresentado como ‘artista’ simplesmente, restringe o que realmente são). Melhor dizendo, a denominação “artista” é incompleta.

Seria mais propício se fossem vistos dessa forma e se eles mesmos assim se reconhecessem; esse modo de se verem, de se colocarem perante a sociedade e a si mesmos, pode ser uma forma mais próxima da realidade daquilo que fazem, mesmo que o artista não se veja assim, como educador. Melhor dizendo: essa seria uma forma perfeitamente legitima de pleitearem junto às autoridades, principalmente educacionais, a legitima condição de educador. “Educador artístico”, a propósito, existe, mas em escala muito reduzida, infelizmente seguindo o padrão da péssima educação que oferecem às crianças brasileiras. O ensino de cultura brasileira, do mesmo modo que o sistema educacional, é a tragédia que todos conhecem, estampada nos índices divulgados pelo próprio MEC. A tragédia mesma é a do desconhecimento de nossa realidade: nas escolas particulares fazem festas de cowboy; as crianças das médias cidades brasileiras seguramente sabem mais do Halloween do que do Saci Pererê ou da Caipora. (Nada contra o Halloween, mas,precisamos conhecer nossos próprios mitos!)

 Uma proposta educacional mais ou menos unificada, com algum nível de coerência faria constar a necessidade de ensinar cultura brasileira nas escolas publicas e particulares, o que abriria mercado de trabalho digno para centenas, milhares de artistas altamente qualificados (falo em coerência e não obrigatoriedade, pois a obrigatoriedade certamente seria confundida com vieses ideológicos inoportunos, abrindo fossos que se tornariam em pouco tempo intransponíveis.

O que se torna premente e necessário é encontrar uma forma de tornar legitima e viável a atividade artística, que pode perfeitamente se colocar dentro de várias definições, entre elas, o próprio “show business”. O fato a ser reconhecido e trabalhado de forma inegável é que sua atividade deva ser reconhecida como a de um educador (a), sela ele(a) cantor, compositor, violeiro, rabequeiro, sanfoneiro ou catireiro.

O ARTISTA EDUCADOR

Sendo reconhecido como educador, reconhecemos tacitamente que seu trabalho é ensinar. Há muitas maneiras de ensinar, de conscientizar e a arte é uma delas, como a educação formal. Lembrando o exemplo de Dércio e sua interação com as comunidades, aqui o público é “parceiro”, reprodutor do que ouve e/ou participa; o artista/educador sendo um transmissor de conhecimento e não apenas um performer.
A cada vez que o artista se apresenta e se sente antes de tudo um educador, tal postura facilita e fortalece suas posições ao se assumirem enquanto tais: educadores. Para eles, artistas educadores, não é uma novidade, pois, em geral suas vidas e suas atividades já denotam por si mesma a preocupação, a responsabilidade perante o próximo, postura que só os educadores de verdade possuem.

Acredito piamente que ser artista é mais uma condição do que uma profissão. Melhor dizendo, é mais que uma profissão. Isso vale uma reflexão: que tipo de artista se deseja ser: o artista performático, que faz uso de recursos técnicos para meramente entreter ou o artista cuja experiência reflete seu mundo, seu tempo, sua comunidade? Para tal, a interação do artista com o mundo que o cerca, é a pré condição para a sua atividade. Mas não necessariamente do seu mundo apenas, pois a Arte, como os sonhos, não tem limites rigidamente estabelecidos. O artista é um embaixador de seu mundo. Nos encontros musicais, conectam-se múltiplas atividades, que dialoguem entre si.

A indústria? Ora, a indústria poderia estar lado a lado, mas por ora é um sonho! Sempre lembrando que é  é fenómeno recente no tempo histórico. Não há muito tempo a  atividade musical era uma atividade marginal, coisa de “quem não gosta de trabalhar”.  (Auguste Saint Hilary  o viajante francês, relata num de seus livros com certa indignação que “...no Brasil bastava o sujeito ter as costas uma viola e cantar uns versos que tinha comida assegurada e pouso onde chegasse”).

Por outro lado, o artista inserido no “show business”, que tem seus ingressos disputados a tapa por fãs fanáticos, o artista de “sucesso”, normalmente é afastado das atividades cotidianas e da vida das pessoas que o nutrem. São, na verdade, distantes de seu “publico”, para quem são equivalentes a divindades. Conseqüentemente, sua relação é irreal.
 A “musica-em-si” só tem sentido ao fazer efetivamente parte da vida de quem ouve; se existe identificação, tanto a musica quanto o artista são ‘reconhecíveis’ como membros de um mesmo universo ou de universos que se interligam, tornam-se, assim, mesmo distintos e diferentes, membros de uma mesma comunidade; tanto o artista quanto a arte  que ele executa são componentes de mediação. Por isso, não tem forma definitiva, pois está sempre sujeita à dinâmica humana. O exemplo vivo são os componentes da tradição oral, sempre moldados ao publico, à condição momentânea em que se conta e faz  acontecer, a história.

O Projeto DANDÔ, essa cria coletiva amalgamada por cores e sabores e aromas e gingados de muitas argilas e barros diferentes, ganha corpo por conta de sua interação viva e permanente e também mutante; mesmo que aparentemente esteja sempre parecendo precária. Mas precária é a própria existência, é a própria Terra, cujo equilíbrio paira sempre por um fio, o Fio da Vida.

Afinal, É DANDÔ QUE SE RECEBE! Em cada terreiro, em cada sala de concerto, em cada palco!

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