A VIOLA MODERNA DE PEDRO VAZ



Pedro Vaz, da Orquestra Roda da Viola, está lançando seu CD de estréia, “De Espaço ao Tempo”.
Pedro pertence à novíssima geração de violeiros. É daqueles jovens urbanos que chegaram até o instrumento não pela via tradicional, dos costumes e tradições originados dos folguedos populares ou sob influência direta dos mestres violeiros do interior profundo do Brasil.
Paulista de nascimento e goiano por adoção, é jovem, mas já possui uma longa e movimentada carreira. Seu estilo de tocar, muito próprio, é enriquecido por vários outros fraseados, outras sensibilidades, tornando a experiência de ouvir seu som muito rica, pois sentimos ecos originados de diferentes instancias do universo musical.



Ao falar sobre o que nos causa a audição de sua música, poderíamos falar de outras coisas, de suas habilidades como instrumentista, fruto de intenso e rigoroso trabalho, de amor pela arte, etc., mas, vale muito a pena nos deter, a principio, num único fenômeno: um jovem músico que ousa fazer carreira através da escolha espontânea de um instrumento peculiar – a viola caipira, o que, por si, é um grande motivo para comemoração, pois é a certeza de sobrevivência, através dos tempos futuros, de nossa cultura, do valor de nossa gente, de nossa alma nacional, enfim!
Pedro Vaz demonstra nesse disco de estréia, ser um músico em pleno domínio de sua arte e igualmente possui uma consciência iluminada, sabe a que veio; no seu caso, não há nenhum risco de perder seu talento para as novas tentações que o mercado e a vaidade, sutis armadilhas que acabam arrastando os novos talentos para novos, estranhos e quase sempre  perniciosos costumes. Afinal, um rótulo aponta, tentador, tentando capturar os jovens talentos para, digamos, uma nova estética, de uso corrente principalmente nas metrópoles onde é muito comum os despudoramento de usar a matriz rural de forma diferenciada ou chique: violeiro urbano ou sertanejo universitário. A ser rigoroso numa tentativa de compreender que diabos vem a ser isso, seria o caso de perguntar: porque urbano e porque universitário? Porque não chamar simplesmente de violeiro ou sertanejo? Que razão secreta existirá para negar ou escamotear quem realmente somos, ou seja, que não somos “puros”? Em tempos como os que vivemos atualmente, é o caso de dizer: ainda bem. Ainda bem que não somos puros! Para nossa sorte, ainda bem que Pedro Vaz é mais que um jovem violeiro urbano e não faz parte – até onde sei! – do nicho sertanejo universitário.



Pedro inova a viola sem perder o respeito nem a ousadia a qual os artistas talentosos tem legitimo direito, nesse tão delicado tapete que é o intricado novelo que une vida/tradição/inovação/futuro. A viola em Pedro Vaz  torna-se moderna ao assumir novos papéis, novas funções, servindo a outras propostas de diálogo, fora do conhecido e sempre fértil universo caipira, ainda muito longe de ser esgotado: são muitos os recursos onde o modo tradicional de tocar viola – basicamente as afinações cebolão e rio abaixo – tem espaço e vez, muito disso tudo ainda inexplorado: as tratativas rumo ao universo sinfônico, (viola e orquestra,  por exemplo) mal começaram. Não sei de nenhuma peça sinfônica com viola que tenha sido apresentada na íntegra, muito menos em disco. O que se sabe e temos vários exemplos é de Movimentos isolados, estamos na expectativa de ver e ouvir peças completas já escritas e parcialmente gravadas, como as Suítes de Jaime Além e os trabalhos orquestrais de Adelmo Arcoverde, do qual temos “apenas” adaptações para viola brasileira solo... (aqui falando de Adelmo. De Jaime temos alguns Movimentos espalhados por seus discos, além de material disponível no youtube). Citando em passant, vale muito a pena um breve descortinar no CD de Valdir Verona, “Na Estrada” onde o mesmo executa um tema de Vivaldi em viola brasileira e craviola. Tão bonito que mereceria um disco inteiro! São "alquimias" que se concretizam, sincronicidades que se complementam, curiosas familiaridades que misteriosamente reconhecemos ao ouvir o húngaro Dániel Benkö executar uma peça barroca com uma tiorba italiana ou Villa Lobos no violão clássico.

“De Espaço ao Tempo”, de Pedro Vaz foi produzido pelo violeiro Ricardo Vignini, o que pode justificar em parte a ousadia, perceptível do começo ao fim;  ter feito um CD que se aproxima do público nitidamente  urbano, especialmente com os efeitos percussivos, ao mesmo tempo em que valoriza o timbre característico da viola. Assim, ao ouvir reconhecemos baladas, toadas, aqui acolá rápidos insights da típica viola interiorana, mais adiante determinada faixa convida à reflexão, ao monólogo poético, em momentos que soam aos ouvidos como docemente intimista.




Enfim, um disco de viola que nos leva para fora dos espaços tradicionais sem perder a autenticidade genuinamente “sertaneja” do timbre desse instrumento cujo toque nos remete imediatamente às tradições rurais. O som da viola, concomitantemente à sua ligação com as antigas tradições, tem em si mesmo algo de um frescor sempre renovado, pois tradição é também isso, é o incorporar a si tudo o que cerca, por isso a tradição oral, por exemplo, sobrevive por tempos indefiníveis, pois, ao contrário do que se possa supor apressadamente, não se trata da petrificação que leva ao aniquilamento – tal como ocorre com os sistemas políticos que não se renovam: a cultura popular e suas intercomunicações tem como sua principal característica a vitalidade que as idéias trazem em si mesmas. Neste trabalho, Pedro Vaz acrescenta sabores e cores. Seu disco, de título singelo e poético, é um passeio pelo interior real que está se transformando e quem sabe o interior de nós mesmos, guiados por uma viola tocada como se deve, com todo o respeito à tradição, mas que também é moderna, pois foi à cidade, aprendeu coisas novas e voltou para a roça mostrar que o novo também é bonito, e que por isso, também pode ser chamada moderna. Ou como diria o Elomar, “muderna!

Mas, sempre tive cá comigo que a viola tem mistérios que embora possam estar evidentes na frente de nossos narizes, não conseguimos reconhecer de imediato, pois ela (viola) tem seus mistérios: quando se pensa que se sabe com certeza algo a seu respeito, ela, tinhosa como é, mostra que não é bem assim. Se sabe que sua chegada ao Brasil encontrou seu primeiro pouso na cultura urbana. A viola de arame era o instrumento preferencialmente tocado na Corte. Com o aparecimento do violão, a pobrezinha foi deixada de lado e então foi-se para o interior do país onde encontrou acolhida. O resto é uma história maravilhosa que conhecemos.

Assim, pois, é perfeitamente possível sempre o tenha sido moderna, (veja sua versatilidade surpreendente) e nós agora estamos tendo mais uma boa oportunidade de (re)descobrir coisas que só ela, viola, e quem a entende como se deve, os violeiros, podem nos revelar: ouçam o CD de Pedro Vaz e entenderão porquê!

p.s.  recomendo ao leitor o belo texto no blog Barulho D’água, extraído do pena competente e aguçada do Marcelino Lima. 
https://barulhodeagua.com/


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