Vem aí, AS MAMELUCAS

Se é tempo de retomada, nada poderia ser tão gratificante para os esperançosos e renitentes amantes da música brasileira que a touné  MAMELUCAS, composta por Cátia de França, Consuelo de Paula e Déa Trancoso. Uma verdadeira celebração ao que seguramente fazemos melhor: música.


 

Sim, é tempo de esperança, de retomada. E a realização desse show é desses momentos destinados a ficar na história, como foi o Cantoria (Geraldo Azevedo, Xangai, Elomar e Vital Farias), o Parcelada Malunga (com Elomar, Arthur Moreira Lima, Xangai e Zé Gomes), Consertão (Elomar, Arthur M. Lima, Paulo Moura e Heraldo do Monte), O Grande Encontro (com Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo). Existiram outros, mas fiquemos com essa pequena mostra, que seguramente está na memória dos brasileiros. “Mamelucas”, pelo que representam e significam as artistas, é desses espetáculos destinados a colarem-se nas retinas e ouvidos de quem tiver a oportunidade de assistir.

Cátia de França, Déa Trancoso e Consuelo de Paula dispensam apresentações. A rigor, a citação de seus nomes já é garantia de comprar os ingressos e aguardar ansiosamente as cortinas se levantarem e o espetáculo começar e  revelar nossa brasilidade universal.

Dia 01/04/2022, SESC Campinas, 19:30 horas;

Dia 02/04/2022, SESC Baurú, 19:30 horas;

Dia 03/04/2022, na Casa Natura Música, 20:00 horas, localizada na Rua Arthur de Azevedo, 2134 – Pinheiros, São Paulo.

 

Embora dispensem apresentações, segue abaixo breves notas. Embora de carreiras distintas, são unidas pelo tripé fundamental que caracteriza o artista fiel a sua gente: tradição, renovação e mensagem inovadora, pois a arte popular nada tem de fixa; não é a arte petrificada dos museus, mas sim pulsante de vida. Respeita as origens, mas acolhe as novidades que lhe são acrescentadas. Coincidência ou não, a obra das três artistas possuem fortes referências literárias:

Cátia de França: cantora, compositora, multi-instrumentista, escritora. Nascida Catarina Maria da França Carneiro, paraibana de João Pessoa, sua obra é ancorada por pesos pesados de nossa literatura, como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Autora de “Kukukaya – Na Asa da Bruxa” e “Coito das Araras”, lendas vivas do cancioneiro brasileiro. Seus discos são raridades disputadas por colecionadores.


 

Maria Consuelo de Paula, conhecida como Consuelo de Paula, de Pratápolis, Minas Gerais: sua obra é um sólido e multiforme bloco do qual, de tempos em tempos esculpe e revela ao público uma pequena parte, sob forma de disco, poesias, espetáculos. Sua principal característica é jamais se repetir: cada novo trabalho é uma face, uma linguagem nova onde revela aspectos variados de nosso multiculturalismo que contempla do tambor ao piano, naturalmente. Sua obra abrange a sofisticação oriunda de suas parcerias com o notável Rubens Nogueira, com quem realizou uma Trilogia (Dança das Rosas, Casa e O Tempo e o Branco), até a delicada rusticidade de Maryakoré, entrelaçando e amalgamando as três raças formadoras do Brasil: europeia, africana, indígena, sem concessões ou eufemismos enganosos. Permanentemente inquieta, é também poeta, compositora, produtora musical. É conhecida por realizar interpretações “definitivas” (expressão cunhada pelo saudoso crítico Mauro Dias) seja de suas obras ou de outros compositores, como é caso de “O Ciúme”, de Caetano Veloso.


 

Déa Trancoso, cantora, compositora, atriz, escritora. De forte presença de palco, é uma cabocla antes de tudo, forte como uma rocha. E não é a toa que possui Rocha no nome de batismo: Alcidea Margareth Rocha Trancoso. Interprete honesta (parafraseando o que disse o bluesman Woody Man sobre o violeiro Indio Cachoeira), sua voz profunda parece emergir da própria natureza do sertão e tem o poder de romper tempos e espaços e onde quer que chegue, leva, íntegra, sua mensagem de credibilidade. Seria  o caso de evocar Orson Welles, o célebre cineasta que pretendeu realizar um documentário sobre o Brasil ao qual daria o nome “É tudo Verdade”? Porque não? Orson não conseguiu finalizar o filme; o canto de Déa, belo e vigoroso, chega até nós e continua tempos afora: é pura verdade!


 

Reafirmamos que as três dispensam apresentações. Tivesse tempo e mereceriam um ensaio caprichado e não algumas linhas, como é o caso deste breve anúncio na agenda do Ser-tão Paulistano. As pequeninas notas biográficas, são breves insights do que serão os shows, juntando num mesmo palco, num mesmo momento, três vozes femininas, eternizadas como expressões de nossa alma brasílica.

Em comum, as três cantam com corpo e alma, tornando cada apresentação única. É inevitável a simbiose artista e público, onde o último se sente verdadeiramente participante: ninguém fica indiferente à luminosidade emitida do palco.

 

Mameluca*

*A expressão mameluca (feminino de mameluco) pode ter duplo significado.

1) Um grupo armado turco-egípcio (milícia), formado por ex escravos caucasianos que existiu desde meados do século XIII até fins do XVII eram conhecidos por mamelucos. (Atualmente devemos tomar certo cuidado com o uso da expressão "milícia". A milícia mameluca, nada tem em comum com suas congêneres atualmente conhecidas. Nada de milícias digitais ou outras...)

2) Outro uso da expressão mameluca, este de amplo uso entre nós, refere-se à mestiçagem branca e indígena/cabocla. Embora esteja longe de sugerir harmonia racial/social, revela a imensa riqueza resultante do amalgamento cultural/racial de nossa terra. Esses elementos, por si, seriam suficiente para afirmar que a Lingua Geral nheengatu era altamente representativa da sociedade brasileira. Mas o idioma nheengatu, elaborado pelos jesuítas foi proibido por D. João VI. Não foi à toa, convenhamos, se considerar que a língua é um importante instrumento de poder e as classes dominantes sabem disso. Nas guerras os países vencedores costumam proibir a língua do vencido.

É a língua, a Pátria?

 

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