CANTIGAS DE ANDAR, DE OSNI RIBEIRO

 

“Cantigas de Andar”, o novo CD do botucatuense Osni Ribeiro, é um dos muitos frutos da grande árvore chamada “Dandô”, plantada e ricamente cultivada por Kátya Teixeira com a inestimável ajuda dos muitos Coordenadores espalhados pelo interior do Brasil e até do exterior, num rico desdobramento, destinado a formar uma imensa rede que há de ressoar mundo afora, unindo e fortalecendo laços com os muitos elementos comuns que vamos re-encontrando mundo afora, pelo Chile, Argentina, França, Portugal, quiçá Espanha, países da África, etc. 


 

Osni Ribeiro entrou no radar do “Dandô” em 2018 e desde então tem sido um dos mais ativos membros. O título de seu CD – Cantigas de Andar – tem a própria marca do movimento. Foram muitos os trabalhos nascidos nos rastros do projeto, mas nenhum (ao que eu saiba) traz na raiz a natureza etimológica do termo criado pelos gênios de Klecius Alburquerque e João Bá, o Bacurau Cantante,  eternizado por Dércio Marques. 





 

Dércio, como era de seu feitio, fez uns bordados que cobrem boa parte de seu disco-Ícone, o Segredos Vegetais. Assim Dandô – Circo das Ilusões, se junta a Canto dos Ipês Amarelos e Roda Gigante, de Guru Martins e o álbum finaliza com o mesmo Dandô, agora chamado Vento Bandoleiro. Nesse disco todas as 27 faixas são irmãs, cada uma delas é um livro aberto onde se é incitado a um possível  desvendar dos segredos vegetais, presentes da Natureza. “Segredos” foi composto no rastro da onda ecológica que começou entrar em cena pelos idos dos anos 70 – mas há quem diga que suas origens são anteriores, pelos finais dos anos 60, através das ideias de Marcuse, no auge do Maio/68, Mas o convite a uma vida mais simples, fora do capitalismo ostensivo remontam à Era pré-movimento hippie, inicio dos anos 50, com a musica de Woody Guthrie, inspirada na musica folk. Resultado de uma profunda imersão na natureza, provavelmente devido a um drama pessoal (a trágica morte de sua filha Mariana), “Segredos Vegetais”  deve ser a árvore mãe, através da qual outros discos fundamentais que desde algumas décadas nos apontam para o que nos pode salvar: o preservação de nossas matas e rios. Desde Augusto Jatobá e “Matança”, Planeta Água, do ainda menino Guilherme Arantes, Cantos da Mata Atlantica e Espelho d’água, do próprio Dércio, Madregaia, de Dani Lasálvia e muitos outros trabalhos, como o recente Beira de Folha, de Consuelo de Paula e João Arruda, ainda não lançado fisicamente. E dentro desse cipoal verde que alegre e gravemente nos alerta sobre o futuro sombrio  que nos ameaça com um apocalipse de muitas formas, todas catastróficas.

Permeando a tudo isso, a lembrança singela, desenhada em versos por João Bá: a lembrança primeva de todos nós, quando começamos a engatinhar e ao mesmo tempo balbuciar as primeiras palavras. Junto ao desejo de falar, o “dá-dá”, o desejo de andar “dandar”, daí Dandô. Ou seja, Dandô é uma corruptela de andar, quando ainda nem somos nós mesmos, apenas seres principiantes de tudo!

Osni Ribeiro desde muitos anos organiza sua vida, suas atividades sempre em torno do universo caipira, do qual é atualmente dos melhores conhecedores. Durante muitos anos, foi secretario da cultura de sua Botucatu e certamente, além das atividades corriqueiras de um secretário de cultura comprometido com sua tarefa, em suas andanças conheceu muito das necessidades, das carências culturais de sua gente, mas também da riqueza intrínseca daquele universo, mesmo sob constante ameaça dos efeitos deletérios da globalização. Conhecer os caminhos (ou descaminhos) burocráticos sem dúvida ajudam a compreender a dimensão dos delicados mecanismos que visam preservar, orientar e tornar viável economicamente falando práticas culturais culturais autênticas que formatam nossa identidade enquanto povo/nação: num Estado democrático de direito é possível, é salutar o fomento de políticas de incentivo.

Quem conhece o “Projeto Dandô – Círculo de Música Dércio Marques” sabe muito bem que os artistas não estão em busca de uma boquinha, de faturar uma grana. Se autofinamciam, se autoorganizam, transformando a arte produzida em cada região em ativos econômicos. São artistas que atuam num sentido de missão educativa –aliás, grande parte deles, de fato atuam como professores, são educadores de ofício. Os anos vão se passando e num trabalho de formiguinha e boca a boca, formam público, formam seguidores e lideranças. Conseguem tudo isso de forma autônoma, estabelecendo parcerias que na verdade já existem, mas atuavam sem conexão com os demais, na base de ilhas isoladas. O “Projeto Dandô” permite que os muitos grupos espalhados pelo Brasil e pelo continente se articulem e formem uma Rede. O caminhante e trovador Dércio Marques fez isso a vida inteira de uma ponta a outra do Continente sul americano  - e até realizou incursões por Portugal, onde especialmente entrou em contado com Zeca Afonso, de quem gravou “Cantigas de Embalar” e “Maravilha Maravilha” e também  com a musica de Paco Bandeira, “Vim de Longe”. Dércio foi, assim, a inspiração, espelho de sua forte personalidade musical e intuitiva.  O “Dando” – cuja idéia nasceu num dos muitos concertos feitos em sua homenagem depois de sua precoce partida –  refinou e organizou, tornou o hábito de Dércio de “arreuniões” (de arreunir, termo criado por Chico Maranhão, não por acaso outro educador na música. Chico poderia, mas não faz parte do “Dandô”, pois já tem seus projetos em andamento na sua São Luiz do maranhão) esporádicas e eventuais em uma ampla agenda.

De certo modo podemos dizer que os artistas envolvidos no “Projeto Dandô” circulam nacional e até internacionalmente em trilhas seguras, que lhes permite garantia mínima de sobrevivência enquanto criam e  executam seus próprios trabalhos individuais. “Cantigas de Andar”, o álbum de Osni não é um resumo das ideias contidas no “Dandô”, mas são frutos colhidos na caminhada. Desde o dandar inicial  até a caminhada a passos lépidos em terra firme. Pois é um correr trecho esse CD, 13 canções, com parceiros mui diversos, seja do mundo da musica, da literatura, da poesia, de várias partes do país. Além de conhecedor de sua gente, de músico talentoso com uma vasta estrada já percorrida, Osni é também um arguto observador da vida e do mundo, atento ao que acontece aqui e alhures. Osni é um caipira, um caboclo que anda pelos caminhos de barro e também pelas redes virtuais: uma das canções que compõem o CD foi pinçada de forma casual, na leitura de uma dessas poesias descompromissadas que as pessoas publicam na rede social facebook.

Nos dias que vivemos, ainda sob efeitos da pandemia do coronaVirus e outras pragas,  Osni é uma farol em mar tempestuoso. Para ele, a manifestação cultural não é só entretenimento ou exploração de aspectos lúdicos. Ele consegue vislumbrar a interação entre  as manifestações puramente lúdicas e a carnadura real que movimenta as sociedades,  pois,  esse mesmo elemento lúdico  permeia o tecido social, pois se trata de nossa Alma, estando sempre nas encruzilhadas de caminho. Ou seja, sempre presentes em nossas vidas.

Diz ele, em informação concedida à jornalista Mercedes Cumaru:

É a música caipira, regional, que nos dá a oportunidade de sabermos quem somos e de onde viemos. Cuidar das raízes, sempre, mas sem perder de vista os brotos, flores e frutos, naturais do cultivar, inerentes à dinâmica da cultura”.

E mais adiante, ao revelar o processo de criação do álbum :   “Nasceu dos encontros e rodas musicais nas cidades por onde passei e mesmo nos caminhos virtuais que desbravamos durante a pandemia surgiram novas canções, muitas delas parcerias inéditas. O ‘andar’ artístico continuou e até ampliou-se em formato online. Assim, o álbum revisita essas passagens e apresenta os frutos dessas interações” (...)“Na composição utilizo elementos de nossas raízes culturais e uma linguagem musical que proporciona às plateias a proximidade com um universo que muitas vezes é pintado com cores que não condizem com a realidade e com a história de nossa cultura”.

 

Abaixo, as 13 faixas do álbum.“Cantigas de Andar”, que reúne 13 canções assinadas por Osni Ribeiro e seus parceiros: Informação cedida por Mercedes Cumaru:

 

Rio Acima, Rio Abaixo” – feita com o conterrâneo de Botucatu Fernando Vasques

Porte de Almas” - parceria tripla com Fernando Vasques e com o mineiro Marcelo Taynara

 “Rio Amargo” – novamente uma tripla parceria desta vez com os poetas mineiros Paulo Nunes e Juca da Angélica (in memoriam)

Nada é Casual” – essa composição marca a estreia do escritor paulista Joel Emídio da Silva na criação musical

Manhã Violeira” – composta com Bernardo Pellegrini, radicado em Londrina

Milonga pra Cuidar da Alma” – essa milonga caipira traz o sotaque gaúcho do Rodrigo Rocha, de Encruzilhada do Sul

Estações” – trabalho compartilhado com o carioca Alexandre Lemos, compositor consagrado com músicas gravadas por nomes como Renato Teixeira e Ney Matogrosso

Dança de Nhanderu” – com o parceiro mais recorrente, o premiado poeta e escritor Marco Cremasco

Viagem de Folia” – com Paulo Nunes

Tanto Trem” – mais uma parceria conterrânea com o jornalista, pesquisador, escritor e poeta Sérgio Santa Rosa

"Simples Assim” – com o companheiro de cantorias, o paulistano Cláudio Lacerda

O Pó da Rabiola” - parceria inédita com o pernambucano Tavinho Limma, radicado em Ilha Solteira e amigo de festivais há mais de 30 anos

Viola que Chora” – com o mineiro radicado em Brasília, o poeta Edimar Silva

Mais sobre Osni Ribeiro

www.osniribeiro.com.br

https://www.youtube.com/osniribeiro

 

 

 

 

Adbox