ISMÁLIA (RE)INTERPRETADA, por PAULO NUNES

 

O múltiplo Paulo Nunes materializou  e fez vir à luz do mundo de todos nós, mais uma de suas criações: o livro de poesias “Ismália Interpretada”.


 
Paulo Nunes

Múltiplo porquê além de poeta imenso e profícuo, parceiro musical de cantores e cantoras, em profusão monumental, Paulão – como é chamado pelos amigos, referência a seus mais de dois metros de altura traduzidos em tranquilidade quase monacal que, aliás, lhe cai bem: esse apostolo Paulo é um sacerdote a serviços da Arte;

múltiplo porque conduz com maestria a fazer inveja aos empresários e técnicos do ramo, o Instituto Juca de Cultura (I.J.C.), importante centro de difusão cultural, praticamente sem dinheiro algum, graças à magia da multiplicação de oportunidades. Isto porque, para tocar as atividades do I.J.C., dinheiro, ponto definidor da existência de qualquer projeto, é detalhe, por assim dizer, irrelevante - acreditem, pois é sério: os envolvidos fazem o projeto andar e, se calha precisar de dinheiro, ele surge. É tão interessante o método “Paulão” da condução de negócios que ele tem sido convidado a dar palestras para interessados. E como mineiro da gema, ele sempre começa suas palavras com o típico “uai, sô!”, comum nas alterozas;

múltiplo por produzir discos, livros, dentre tais materializou o livro de “seu” Juca de Angélica, poeta da tradição puramente oral que a custo concordou com publicação. Brevemente deve sair o primeiro CD de tia Aninha e suas vibrantes congadas e jongos da autoridade de seus mais de 90 anos. Ainda este ano deve sair o esperado documentário sobre João Bá, resultado de uma mágica noite onde circularam no pequeno Instituto Juca de Cultura os gênios de Vidal França, Levi Ramiro, além do incansável Bacurau Cantante (João Bá).

 João Arruda, João Bá e Paulo Nunes

 

Tia Aninha
 
 

 O "boneco" do seu Juca de Angélica, que dá nome ao Instituto

Paulão, o mútiplo, não é puramente metáfora. Em torno de si gravitam criação e talentos. Pedro Vaz, Danilo, Karina Telles, Deo Lopes, Renato Braz,Luma Ayub, Grazi Nervegna, Socorro Lira, Katya Teixeira,Vitor Batista, Consuelo de Paula, Sabah Moraes e Ney Couteiro, Jean Garfunkel, entre tantos frequentadores habituais ou eventuais.

 

“Ismália Interpretada” é uma referência àquele que provavelmente deva ser o mais conhecido poema do mineiro Alphonsus de Guimaraens, poeta que traduziu como poucos no mundo a tragédia incoercível da perda amorosa – sua noiva, Constança, filha de seu primo escritor Bernardo Guimarães, morreu aos 17 e esse triste acontecimento marcaria para sempre sua vida e obra com irreprimível pessimismo e tristeza, repleta de misticismo religioso. Fez parte do importante grupo dos poetas simbolistas (Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Mallarmé, Verlaine, e outros), marcantes do período entre meados do séc. XIX e inicios do século XX.

“Ismália Interpretada”, trazida à luz deste séc. XXI, parece continuar sua trajetória inicial, apresentando-se enigmaticamente para nós, seres humanos que habitamos esse não menos enigmático séc. XXI; é como se Ismália, que enlouquecera, não fazendo distinção entre corpo e alma, se nos apresentasse em desafio. Ela avança no tempo, mas não se trata do  tempo linear que segue sua trajetória como uma seta; o tempo de Ismália é uma busca perene pelo tempo eternizado, mesmo em poucos segundos, onde nasceu e morreu o amor, num processo alquímico de emoções que não se perde em si mesmo e desencadeia novas sensações a partir da visão mística que leva ao arrebatamento.

Quem diria! O velho tema do amor palmilhando novos caminhos! Pouco interessa o século – que seja o século XIII, na Provença, sul da França, onde oficialmente nasceu o amor; se nos séculos onde floresceu o Romantismo; se em tempos do Simbolismo entre fins do XIX e inicio do XX ou nesses tempos em voga do século XXI que alguns chamam o tempo da pós-verdade, a densidade dos sentimentos aflora como se o amor acabasse de nascer. 


 

A palavra poética, em qualquer tempo vislumbra o frescor inaudito que aguça a alma humana, oferecendo assim, possibilidades de entendimento dos seres  humanos entre si e consigo mesmos; palavras podem ser doces como mel ou lancinantes como espadas de fogo! O poeta, esse raro e necessário ser  não recua perante o dilaceramento: entre céu e abismo, segue o poeta, compondo  aos jorros ou em gotas, densos ou leves, mas tendo em comum a musicalidade ancestral, nascida antes da palavra.

No seu segundo livro publicado, Paulo Nunes realiza o prodígio de dizer o máximo com o mínimo, conforme observa Ruy Proença no Prefácio “Todo Voo é Dádiva do Abismo”. A poesia, cuja origem se situa em cantos remotos de nossa alma – desde os primeiros balbucios ou mesmo antes – no decorrer da vida de cada ser humano ou ao longo da História, cada vez mais se recolhe nas camadas mais profundas da alma, a medida em que a razão se impõe; por isso, saudemos esses ousados seres, os poetas, essenciais por nos lembrar, eventualmente, que podemos compor destinos diferentes do que nos promete num futuro nem tão longínquo os “admiráveis mundos novos!”

 

POESIA E REDENÇÃO

Nós, humanos, navegantes entre céus e abismos, consciente ou não, carregamos em nós o valioso combustível chamado imaginação que nos permite vislumbrar  horizontes e encontrar (reencontrar) a beleza. A linguagem utilizada pode ser de forma superior ou primitiva. Octávio Paz escreveu que “...o poema é a máscara que oculta o vazio.” Acredito que a poesia possa ser uma razão plausível da existência: a palavra poética é uma possível tradução da beleza, que no fim deverá nos salvar...

 

"Somos a distância, não a viagem

e uma vez que aqui estamos, chegamos"

(Paulo Nunes, trecho de "Esta Arte", de Ismália Interpretada) 

 

 

"Visão, música, símbolo.Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, ecos da harmonia universal." (Octávio Paz, O Arco e a Lira)

 

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