No próximo 12 de agosto de 2023, no teatro Maria Dudé, acontecerá um encontro destinado a se tornar histórico: a mineira de Pratápolis, Consuelo de Paula, e a violonista e violeïra francesa, Fabienne Magnant, que desembarca no Brasil no dia 09-08 para apresentações em algumas cidades brasileiras. (Mais informações, verificar nas redes sociais da artista).
Não obstante possuírem carreiras distintas vários aspectos, ambas nutrem um amor incondicional pela música: duas portas abertas por onde o Criador permite que a divina música transita livremente.
Consuelo e Fabienne, rigorosas e sensíveis compositoras, se dedicam à sua arte acreditando que na mesma encontram elementos que aproximam as pessoas, podendo com isso ajudar na construção de um mundo mais fraterno, mais humano.
MÚSICA COMO ELEMENTO AGREGADOR.
Desde tempos imemoriais, nas primeiras rotas de comércio ao longo do Mediterrâneo, construindo pontes entre o Ocidente e Oriente, a música foi, naqueles primórdios, muitas vezes o possível ponto de intersecção perante a barreira linguística. Nas noites geladas dos desertos, caravanas de comerciantes acampavam próximas uma das outras para se protegerem mutuamente dos salteadores. Naquelas solidões, alguém sempre tinha instrumentos à mão para acalentar a saudade da pátria distante da qual se ausentavam por meses ou até anos. E assim, cada qual com seu ritmo, sua língua, sua expressão e assim se davam os primeiros contatos entre povos diferentes. Imaginemos as sombras ondulantes nas noites medievais onde sons primitivos de alaúde, tabla, saltério, rabeca, santur persa, bodran, barbouka cortando as noites instigando ouvidos e grupos de curiosos se aproximando da roda, levadas pela curiosidade. A partir daí, a música tornava possível a abertura de portas, que se abriam para o diálogo, para a compreensão.
Em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer situação, músicos com seus instrumentos se comunicam: a linguagem musical não é metáfora; a música pode ser um antidoto espiritual nas situações de conflito. A tradição repentista, conforme informa Câmara Cascudo em “Vaqueiros e Cantadores”, foi pródiga em protagonizar duelos musicais que duravam longas horas e até dias: o “combate” só terminava quando um dos contendores errava ou “emborcava a viola”, sinal de desistência que também era respeito ao adversário.
CONSUELO E FABIENNE, NAVEGANTES QUE SE CRUZAM
Um encontro entre duas artistas talentosas e sensíveis, especialmente dedicadas à música de caráter popular, pois é essa música o que melhor define a história dos povos: a música que que nasce do seio das comunidades nunca sai de moda, pois efetivamente representam sua gente – para usar uma expressão muito em voga nesses nossos tempos. A música do povo pode até ser momentaneamente esquecida, mas basta a recordação de um acorde perdido para a emoção e alegria ressurgirem. Isso se dá com a música sefardita, celta (gigas e outras), fado, bolero, tango, canções catalãs, cateretês, modas-de-viola, baião, serestas, toadas, música missioneira (típica da região das Missões, no Sul), romances e galopes nordestinos, xotes, milongas, choros, sambas, ragas, coco-de-embolada, etc.
Consuelo de Paula e Fabienne Magnant, ao longo de suas trajetórias construíram caminhos musicais paralelos, que desta feitas convergirão para o palco do Teatro Maria Dudé, ali no Itaim Bibi. Cada qual carregando em si um caudal vasto de linguagens musicais, finalmente se cruzando na caminhada. Sorte nossa!
- Consuelo e seu trabalho fortemente enraizado na música brasileira, que não por acaso começou com o significativo título Samba Seresta e Baião (titulo de seu CD de estréia), a cada trabalho desdobra novas facetas de nossa música: a toada, a poesia, as congadas, ritmos afros e música indígena;
- Fabienne navega três mundos com segurança e familiariedade: o mundo da violas caïpira, que ela descobriu nas suas primeiras viagens ao Brasil e imediatamente se apaixonou pelo instrumento e o agregou a si, ao seu modo de fazer música; desde então, é uma espécie de embaixadora da Viola Brasileira, provando que a viola está muito além do caïpira (a trema é proposital, acentuando a pronúncia dessa expressão tão genuína da cultura brasileira, notadamente paulista). Os estudiosos da viola já o sabiam, a viola sempre esteve pronta para ganhar mundo, graças a sua versatilidade ainda pouco usada mesmo no Brasil, apesar de várias incursões no mundo da música clássica (Bach na Viola Brasileira, de Geraldo Ribeiro, 1971), no rock com Ricardo Vignini na Banda Matuto e com Zé Helder na Moda de Rock. Lembremos das suítes, peças eruditas de Jayme Além e Adelmo Arcoverde. Os dois outros mundos familiares à francesa são o violão flamenco e o clássico europeu, que ela estudou com Olivier Chassan e Roland Dyens. (Os dois últimos álbuns da instrumentista, Les Sens des Sens e La Trinidad transitam entre esses mundos).
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: CARLINHOS FERREIRA
O concerto terá um convidado pra lá de especial, o Mestre percussionista Carlinhos Ferreira, presença luminosa, que com suas flautas, chocalhos e tambores fazendo a transição necessária entre mundos aparentemente díspares. Carlinhos é o guia nos caminhos da harmonia, enriquecendo os timbres das cordas da viola e dos violões.
A MÚSICA E SUA MAGIA REVOLUCIONÁRIA
Música não é apenas entretenimento. O fazer musical é um processo continuo de criação, que se renova a cada espetáculo. E existem os momentos raros que marcam indelevelmente aqueles que tem a ventura de apreciar: Consuelo de Paula, Fabienne Magnant e Carlinhos Ferreira, um palco iluminado: não apenas pelo aspecto estético, pela beleza, mas também pela dimensão espiritual que dá sentido a tudo, à música, às palavras, à nossa existência.
No palco se fará pequeno para os exercícios de sacerdotisas (e sacerdote!) em pleno exercício de seus saberes, generosamente dividindo seus segredos, nos revelando as verdades profundas que jorram voluptuosas do coração das comunidades vivas, tornadas vasos comunicantes. Afinidades eletivas que rompem barreiras de tempo e lugar!
As citações abaixo são pequenos trechos do cancioneiro brasileiro, mas poderíamos encontrar exemplo vivos na Pesínsula Ibérica, Oriente. No mundo inteiro, montanhas, nas caatingas, nos pampas, desertos. Nos terreiros de terra batida, nas ruas das cidades:
“Para cantar uma cantoria, num carece saber; ali é um espirito que acompanha, uma voz...” (Dona Maria Rezadeira, São Gabriel, BA).
“ Quando o sereno cair / E eu não puder te levar/ Eu vou te levar/ Lá no berço do dia.” (Trecho de Deusa da Lua, de domínio público, apresentada por Mestra Virginia).
SERVIÇO:
Teatro Maria Dudé
Rua Virgilio Varzea, 98 - Itaim Bibi
Dia 12-08-2023, as 20 H.