Alpendre: comum nas casas interioranas é uma extensão do
teto, sustentado por colunas ou pilastras, geralmente de madeira. Uma discreta
e baixa cerca de cada lado, de madeira ou alvenaria, interrompe-se na altura da
porta, onde o espaço é tomado por dois degraus. Pode ter ou não um pequeno
portão. A pequena cerca e o portãozinho tem a finalidade de impedir os pequenos
animais, domésticos ou não, de acessarem livremente o interior da casa... O
indispensável alpendre é necessariamente um espaço de sociabilidade, democrático
e acolhedor por excelência, anulando diferenças sociais seja o visitante pessoa
amiga ou simples conhecido.
No fim das atividades diárias, é comum as pessoas da casa se
reunir no alpendre para curtir o frescor da noite que se avizinha. Acomodados
no alpendre, dispensa-se formalidades. Sugere acolhimento, mas convida à
reflexão e a prosa leve. Não é incomum o singelo toque de uma violinha,
temperando as falas e os ânimos. Cenário idílico, onde todos tem vez!
O músico, compositor e cantador de voz privilegiada, não
nega sua origem: nascido na capital do estado de São Paulo, tomou rumo do interior,
Botucatu. A escolha não poderia ter sido mais adequada, pois Botucatu é terra
de violeiros, um dos troncos formadores de nossa gênese. Seu mais conhecido
representante – embora não tenha nascido lá – é Angelino de Oliveira, o mítico
autor de Tristeza do Jeca, eterno símbolo do caipirismo.
Em “Alpendre” Lacerda tece uma delicada Ode à simplicidade.
Não é um nicho de resistência, ele não é um apóstolo a favor de uma causa, não
é um defensor intransigente de modos de vida. Entretanto, por paradoxal que
pareça, sua atuação é uma radical busca da simplicidade, onde a música é ponto
de intersecção, formando uma rede que interliga - e não separa - campo e cidade.
Em tempos extremos como os que vivemos, onde o agro-negócio se firmou como
força política e econômica, é natural a existência de trincheiras, simbólicas, de
um e de outro lado. Mas uma “disputa”
dessa natureza seria enganosa porque o
agro-negócio não é a evolução da Agricultura tradicional. Aliás, enquanto
negócio, rompeu com o modo de vida tradicional, embora tenha se apropriado dos
símbolos caipiras. Lacerda vem na
contramão, à margem da cultura caipira de
massa e também de certo purismo.
Cláudio Lacerda afirma e reafima a simplidade como o diálogo
possível entre agentes sociais díspares. Despretencioso, mas com forte presença
de palco, torna desnecessária concessões fáceis: afirma-se pelo que é em si
mesmo: sua voz poderosa e límpida, apoiada em belíssimos arranjos, soa
verdadeira aos mais exigentes ouvidos, sem amarras de cunho ideológico ou
modismos. As referências country presente em algumas faixas nos remete a era de
ouro da música sertaneja quando era um campo aberto de experimentações e
adaptações. quem não se lembra do “Boi Barnabé”, uma versão de Bob Nelson, que
até hoje encanta festas infantis? Boi
Barnabé e sua paixão pela vaquinha Salomé incorporaram-se ao nosso universo
infantil, assim como o sisudo São Gonçalo do Amarante ao chegar ao Brasil
colocou calças coloridas e caiu na Folia, tornando-se protetor dos violeiros e
também das moças encalhadas.
Tradição é movimento. A cada vez que um conto popular ou uma
cantiga tradicional é acrescida de novos elementos, segue em frente e assim
cumpre sua sina de se dar a conhecer aos novos tempos. Trinados de banjo nos
remete a “Minas Texas”, de Tavinho Moura; “Tejo Tiete”, de Chico Saraiva e
Suzana Travassos; “Do Delta do Jacuí ao Deserto do Atacama”, de Oly Jr e
Gonzalo Araya, e muitos outros. E nos faz lembrar que é na diversidade de formas, cores e
ideias que nos tornamos grandes.
A simplicidade repleta de lirismo, força viva da vida
campesina, que dispensa ansiedades. Não de trata de uma apologia à nostalgia de tempos irremediavelmente perdidos.
Este universo, entretanto, existe, está presente na vida das pequenas e
médias cidades do interior e também dentro de cada um, basta cutucar que
desperta; o jovem cantador demonstra raro refinamento, desconcertante, rumo ao
simples. Simples como uma gostosa e preguiçosa prosa no refúgio do alpendre da
casa da roça ou numa esquina da Avenida São João. No ritmo da prosa convidativa, os mistérios
dos entornos do lugar e de cada um, revelam-se ao sabor da água da moringa, do
café, do chope ou da cachaça...
Repertório:
1 Alpendre (Pedro Antonio e Zé Alexandre)
2 Bão demais (Cláudio Lacerda, Isaías
Andrade e Paulo Simões)
3 Casinha Branca (Gilson e Joran)
4 Mar Caipira (Cláudio Lacerda e
Paulo Simões)
5 Traiçoeira (Cláudio Lacerda e Paulo
Simões)
6 Fé na amizade (Claudio Lacerda e
Luiz Salgado)
7 Vento tardio (Cláudio Lacerda,
Paulo Simões e Nô Stopa)
8 Sabiá Renato (Gontijo)
9 Canção do Desassossego (Claudio
Lacerda e Wilson Teixeira)
10 Simples assim (Claudio Lacerda e
Osni Ribeiro)
11 Vida Malvada (Renato Teixeira)