"ALPENDRE", NOVO CD DE CLÁUDIO LACERDA


Alpendre: comum nas casas interioranas é uma extensão do teto, sustentado por colunas ou pilastras, geralmente de madeira. Uma discreta e baixa cerca de cada lado, de madeira ou alvenaria, interrompe-se na altura da porta, onde o espaço é tomado por dois degraus. Pode ter ou não um pequeno portão. A pequena cerca e o portãozinho tem a finalidade de impedir os pequenos animais, domésticos ou não, de acessarem livremente o interior da casa... O indispensável alpendre é necessariamente um espaço de sociabilidade, democrático e acolhedor por excelência, anulando diferenças sociais seja o visitante pessoa amiga ou simples conhecido.

No fim das atividades diárias, é comum as pessoas da casa se reunir no alpendre para curtir o frescor da noite que se avizinha. Acomodados no alpendre, dispensa-se formalidades. Sugere acolhimento, mas convida à reflexão e a prosa leve. Não é incomum o singelo toque de uma violinha, temperando as falas e os ânimos. Cenário idílico, onde todos tem vez!

 “Alpendre” é o nome do novo CD do cantador Cláudio Lacerda, o sexto de sua carreira de 20 anos, que ele vem construindo de maneira sólida.



O músico, compositor e cantador de voz privilegiada, não nega sua origem: nascido na capital do estado de São Paulo, tomou rumo do interior, Botucatu. A escolha não poderia ter sido mais adequada, pois Botucatu é terra de violeiros, um dos troncos formadores de nossa gênese. Seu mais conhecido representante – embora não tenha nascido lá – é Angelino de Oliveira, o mítico autor de Tristeza do Jeca, eterno símbolo do caipirismo.  

Em “Alpendre” Lacerda tece uma delicada Ode à simplicidade. Não é um nicho de resistência, ele não é um apóstolo a favor de uma causa, não é um defensor intransigente de modos de vida. Entretanto, por paradoxal que pareça, sua atuação é uma radical busca da simplicidade, onde a música é ponto de intersecção, formando uma rede que interliga - e não separa - campo e cidade. Em tempos extremos como os que vivemos, onde o agro-negócio se firmou como força política e econômica, é natural a existência de trincheiras, simbólicas, de um e de outro lado. Mas uma  “disputa” dessa natureza seria enganosa  porque o agro-negócio não é a evolução da Agricultura tradicional. Aliás, enquanto negócio, rompeu com o modo de vida tradicional, embora tenha se apropriado dos símbolos caipiras. Lacerda vem na contramão, à margem da cultura caipira de massa e também de certo purismo.



Cláudio Lacerda afirma e reafima a simplidade como o diálogo possível entre agentes sociais díspares. Despretencioso, mas com forte presença de palco, torna desnecessária concessões fáceis: afirma-se pelo que é em si mesmo: sua voz poderosa e límpida, apoiada em belíssimos arranjos, soa verdadeira aos mais exigentes ouvidos, sem amarras de cunho ideológico ou modismos.  As referências country  presente em algumas faixas nos remete a era de ouro da música sertaneja quando era um campo aberto de experimentações e adaptações. quem não se lembra do “Boi Barnabé”, uma versão de Bob Nelson, que até hoje encanta festas infantis?  Boi Barnabé e sua paixão pela vaquinha Salomé incorporaram-se ao nosso universo infantil, assim como o sisudo São Gonçalo do Amarante ao chegar ao Brasil colocou calças coloridas e caiu na Folia, tornando-se protetor dos violeiros e também das moças encalhadas.

Tradição é movimento. A cada vez que um conto popular ou uma cantiga tradicional é acrescida de novos elementos, segue em frente e assim cumpre sua sina de se dar a conhecer aos novos tempos. Trinados de banjo nos remete a “Minas Texas”, de Tavinho Moura; “Tejo Tiete”, de Chico Saraiva e Suzana Travassos; “Do Delta do Jacuí ao Deserto do Atacama”, de Oly Jr e Gonzalo Araya, e muitos outros. E nos faz lembrar  que é na diversidade de formas, cores e ideias que nos tornamos grandes.

 

A simplicidade repleta de lirismo, força viva da vida campesina, que dispensa ansiedades. Não de trata de uma apologia à  nostalgia de tempos irremediavelmente perdidos. Este  universo, entretanto,  existe, está presente na vida das pequenas e médias cidades do interior e também dentro de cada um, basta cutucar que desperta; o jovem cantador demonstra raro refinamento, desconcertante, rumo ao simples. Simples como uma gostosa e preguiçosa prosa no refúgio do alpendre da casa da roça ou numa esquina da Avenida São João.  No ritmo da prosa convidativa, os mistérios dos entornos do lugar e de cada um, revelam-se ao sabor da água da moringa, do café, do chope ou da cachaça...

Repertório:

1 Alpendre (Pedro Antonio e Zé Alexandre)
2 Bão demais (Cláudio Lacerda, Isaías Andrade e Paulo Simões)
3 Casinha Branca (Gilson e Joran)
4 Mar Caipira (Cláudio Lacerda e Paulo Simões)
5 Traiçoeira (Cláudio Lacerda e Paulo Simões)
6 Fé na amizade (Claudio Lacerda e Luiz Salgado)
7 Vento tardio (Cláudio Lacerda, Paulo Simões e Nô Stopa)
8 Sabiá Renato (Gontijo)
9 Canção do Desassossego (Claudio Lacerda e Wilson Teixeira)
10 Simples assim (Claudio Lacerda e Osni Ribeiro)
11 Vida Malvada (Renato Teixeira)

 

 

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