De Elpídio a Negão, dos Santos

Quando o Oswaldinho e a Marisa iniciam a apresentação do show "Uma Viagem pelo Brasil Caboclo", a primeira “parada geográfica” é São Luiz do Paraitinga e a primeira “parada musical” é Elpídio dos Santos.


As letras e músicas são de uma beleza rara e embora feitas há muitos anos, em épocas de um outro Brasil, continuam atualíssimas ou, como diriam os modernos, são atemporais. As primeiras vezes que as ouvi foi assistindo os filmes do Mazzaropi lá “pelos idos de cinqüenta e sessenta”, no velho, bom e ainda existente Cine São Manuel de Paraguaçu. E como eram esperados os filmes! Havia uma grande expectativa das famílias, que guardavam dinheiro para as entradas, para as pipocas - naqueles tempos eram vendidas nos carrinhos que ficavam em frente e não dentro do cinema -, e, com roupas adequadas, preparavam–se para as enormes filas que iam até ao Coreto da Praça da Igreja, distante três quarteirões. As únicas filas na cidade até o próximo ano, com o novo filme.

Mazzaropi enviava empregados, que viajavam pelas cidades onde os filmes eram exibidos, para contar o número de pessoas que entravam e evitar desvios na bilheteria (ou ele já tinha a visão comercial, ou já sabia que tinha que ficar esperto) ... com licença ... a Fernanda está me chamando ... como? ... voltar a falar do Elpídio dos Santos? ... Ah!. sim... foi apenas uma rápida “viagem”, mas é preciso falar um pouco mais de Mazzaropi, também um grande cantor. Dava a maior importância para a música nos seus filmes, fosse para cenas específicas ou mesmo como uma forma de “resumo” do enredo. Grandes maestros, cantores e compositores eram convidados a participar, e um dos preferidos era Elpídio dos Santos que compôs dezenas de músicas cantadas pelo próprio Mazzaropi.

O Negão, filho do Elpídio ... ah! início dos anos oitenta! O Negão ao lado do Pio, Nena e Parê, seus irmãos, criou o Paranga (o carinhoso nome de São Luiz do Paraitinga), aquele grupo que cantava e tocava as músicas da sua cidade e de um certo compositor de lá, misturando influências do rock, MPB, das bandas (bandas eram Corporações Musicais, celeiro de grandes músicos, que se apresentavam principalmente nos Coretos, acima citado, enquanto as pessoas passeavam ao redor) que passaram a fazer parte da chamada Vanguarda Paulistana e que tinha no Lira Paulistana o seu palco principal ... ah! ... o pequeno teatro em frente à Praça Benedito Calixto ... Fernanda você falou alguma coisa?... ah! quê - “por favor volte a falar de Elpídio dos Santos”? ... voltemos ... O Negão, filho do Elpídio, conta que seu pai recebia o telefonema de Mazzaroppi, que fazia o pedido e informava se era para uma cena ou tema do filme. Então mandava os filhos dormirem, pegava o violão e no outro dia de manhã música e letra estavam prontas.

As nossas referências musicais, lá no interior, eram o rádio e o cinema, os filmes brasileiros com as chanchadas da Atlantida e muito muito musical americano ... está bem Fernanda não vou sair do tema ... Anos depois comprei um LP (long play) com as músicas dos filmes de Mazzaropi, cantadas por ele com as letras e músicas do Elpídio. Já nos anos noventa fui conhecer São Luiz do Paraitinga e a paixão se completou com a cidadezinha dos tempos coloniais, extremamente musical, o melhor carnaval de marchinhas, reduto das nossas mais puras tradições culturais e, foi mesmo como “beber na fonte”.

Do texto do jornalista Luiz Egypto de Cerqueira (postado logo abaixo): - “As velhas fotografias não enganam: na cidade havia pianos de cauda, ouvia-se música nas ruas e os saraus invadiam a noite escura dos lampiões e candeeiros.” Não tem como estranhar o “ar musical” da cidade e, ainda sobre Elpídio: - “Elegeu o violão como instrumento preferido, mas não fazia feio com outras cordas e sopros. Arranhava o piano. Era um excelente professor. Galante e boêmio, embora não gostasse de álcool. Tinha a estranha mania de não beber nada que viesse em garrafas”, - “o mestre compôs sambas, toadas, foxes, guarânias, escreveu dobrados para bandas, arranjos para coros de igreja.”

Na conclusão destas mal traçadas e “juntando as coisas”: o meu pai “arranhava no violão” e também era musico - tocava trombone- na Banda Municipal de Paraguaçu e na Banda da Igreja Presbiteriana (não são as “bandas” atuais), eu carregava com o maior orgulho a estante e as partituras em apresentações na cidade – desfiles, inaugurações, retretas no coreto...se a Fernanda permitir explicar o que é isso... não dá mais tempo?... precisamos terminar?...está bom, fazer o que...ou ocasiões especiais como casos em que a banda acompanhava enterros.... quando morriam personagens históricos da cidade era uma deferência especial ao finado e sua família...então essas informações que eu recebia é uma ponte, a minha “ligação” interiorana com as letras e músicas de extrema sensibilidade e beleza feitas por Elpídio que me acompanham sempre. Assisti quase todas as apresentações do Paranga em São Paulo à partir dos anos oitenta até hoje, passando pelo carnaval de São Luiz, no coreto da praça de lá. Acho que agora entendo essa “coisa de fã” com o Paranga: sou amigo do Negão dos Santos, o Filho do Homem. É um presente do meu pai e do Elpídio dos Santos para que continue a valorizar sempre as minhas mais profundas raízes.
Adbox