O BAR DO FRANGO É PARA POUCOS



Há tempos desejava conhecer o Bar do Frango, do Tatau, pois sua fama é crescente por todos os quadrantes do ser-tão paulistano. Conta-se à boca pequena que por lá se apresentam grandes nomes da música popular brasileira, para deleite dos privilegiados conhecedores do “caminho do peabirú” que leva ao Bar do Frango (o chamado caminho do peabirú são antigas rotas dos habitantes primevos da América do Sul, os guaranis. Eram trilhas demarcadas que os ajudava a não se perder nas matas. Com a chegada dos invasores brancos, esses caminhos foram camuflados e seu conhecimento ficou restrito a poucos iniciados. Diz a lenda que até os dias de hoje os sinais do “caminho do peabirú” ainda estão por aí, quase imperceptíveis...). Porém, domingo desses, o mistério se desfez: guiados pelo nosso guru Zé Maria, nosso chefe-em-armas - conhecedor das veredas do sertão, principalmente da região do Ipiranga, onde ele “prende e manda soltar” - aportamos galantemente no afamado lugar.

Aprazível lugar, diga-se, tendo diante uma praça, onde meu cavalo Murzelo Alazão se refestelou feliz nas tenras gramíneas que por ali crescem abundantes. Aparentemente, um boteco como outro qualquer do ser-tão. Aparentemente, pois ao adentrar no lugar logo vimos tratar-se de verdadeiro templo onde grande parte da elite da cultura popular se concentra. Nesse domingo, por exemplo, lá estava o cantador Antonio Pereira, incansável pesquisador das coisas do Norte. O Antonio é uma das melhores vozes masculinas já surgidas no cenário musical brasileiro nos últimos tempos, não se compreendendo a ignorância da mídia a seu respeito, sendo que ele já está na estrada há uns 15 anos, pelo menos. Belíssimo timbre, por vezes lembrando Milton Nascimento em suas melhores performances, lá pelos inícios do Clube da Esquina. Assim, de chofre, muitos podem ignorar a existência desse cantador de voz privilegiada, porém, quem o ouve, jamais esquece. Com o raro dom dado por Deus, Antonio Pereira louva a natureza, celebra as Musas e o Amor e tudo o que é Belo, tal qual o Uirapurú – aliás, depois de ouvi-lo andei a cismar se esse Antonio não seria o Uirapuru disfarçado de gente! E na platéia, gente bonita e ilustre, como, Dani Lassalvia, Amauri Falabela, João Bá, Julian Tirado, Nanah Correia, Graziella Hessel e outros. Lá pelas tantas, ocorre algo mágico, uma espécie de “banda dos sonhos” quando sobem ao minúsculo e apertado palco João Bá, Dani, Julian e junto com Pereira entoam Cachoeira do Araçá, de autoria de João Ba, numa cena de verdadeiro arrebatamento de talento e emoção.



Perante o descalabro que ocorre com nossas instituições culturais, políticas, de ensino, etc., que reduzem a zero o exercício da cidadania, lugares como o Bar do Frango e o Espaço Sérgio Mamberti constituem exceções à regra, resistindo bravamente como nichos. O abandono e descaso por parte dos poderes públicos e a miopia da mídia que insiste em fingir que nada sabe e nada vê, preferindo iludir as massas com superficialidades e sensacionalismos baratos, avança como câncer e as nossas puras manifestações tradicionais são relegadas e associadas ao atraso. Felizmente, muitos artistas e agitadores culturais abnegados, não afeitos ao sucesso fácil atuam como troncos sólidos em meio à tempestade e assim se tornam ilhas de resistência em meio à barbárie. Ao longo do tempo esses focos de resistência lutam tenazmente e insistem em preservar e semear, mesmo na aridez da insensibilidade e intolerância. Felizmente, a alma humana é terreno fértil e flores e frutos saborosos desabrocham: o trabalho de resistência de gente como Elomar, Dércio Marques, João Bá, Zé Gomes, Ariano Suassuna, Vidal França, Osman Lins, Kátia de França, o missioneiro Noel Guarani lá nos pampas, Rubinho do Vale nas geraes, Patativa do Assaré, Gonzagão, Adoniran Barbosa, Cartola, Chico Maranhão, Papete, Vital Farias e tantos e tantos outros, atraem seguidores de talento como Xangai, Kátya Teixeira, Victor Batista, Cláudio Lacerda, Dani Lassalvia, Amauri Falabela, Guru, Zé Paulo Medeiros, Noel de Andrade, Antonio Nóbrega (esse já com sólido e próprio caminho, discípulo de mestre Suassuna e Antonio Madureira), Juraildes da Cruz, o poeta, violeiro e cantador mineiro Alexandre Saad, Karina França, Chico Science no Recife, Laura Guarani no sul e tantos e tantos outros talentos. Como disse uma vez o maestro Zé Gomes, “esse país é como um formigueiro, basta mexer que os talentos eclodem e difícil vai ser segurar!”.



Por ora, lugares como o Bar do Frango e o Espaço Sergio Mamberti acabam por se constituir exceções e assim, “lugares para poucos”, para iniciados conhecedores do difícil, no entanto sólido, “caminho das pedras”. Porém, sendo um “formigueiro de talentos” como diz o Zé Gomes, se cutucarmos, a chama se expande... Espalhemos, portanto, a idéia; comemos pelas beiradas, como diz o caipira... Assim, por se tratar de lugar seguro - onde os troncos principais, a seiva vital de nossa identidade cultural encontram guarida - persiste como guardião dos tesouros perenes, incólumes à força devastadora do monstro devorador de consciências que, em falta de melhor denominação, chamaríamos “mercado de fácil consumo”. Os sinais que identificam o “caminho do peabirú” estão por aí, espalhados pelas “veredas” – ruas, travessas, ruelas, ladeiras, esquinas, avenidas – do ser-tão paulistano, disfarçados em botecos aparentemente comuns como o Bar do Frango, a Cachaçaria Armazém Mineiro sob a batuta de mestre Giba da Viola, nos espaços de convivência dos SESCs – os chamados vãos livres.


Quem tem ouvidos para ouvir e olhos para ver, que vejam. E oiçam. A cultura verdadeira é como o Sol: é de todos!


Quero tornar público o agradecimento ao amigo Zé Maria por ter-nos guiado pela segura “rota do peabirú” que nos levou ao Bar do Frango. Sei que o Zé é chamado “professor”, mestre de vida em alguns círculos, o que é pura verdade; entre os antigos índios, dos quais a maioria de nós descendemos diretamente, o Zé seria chamado Pajé. Abraços e mais uma vez, obrigado!






As sete chaves das artes
Eu trago todas comigo
Com elas na minha mão
Enfrento qualquer perigo.
As tenho como presentes
Dos mestre, grandes amigos.”
“...”


Sambada dos Mestres
Antonio Nóbrega Madeira Que Cupim Não Rói
– Na Pancada do Ganzá II


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SERVIÇO:
BAR DO FRANGO:
Av. São Lucas, n, 479, quase ao lado da Igreja de São Lucas. A Avenida São Lucas começa na Luis Inácio de Anhaia Melo, altura do 5.000. A estrada do Oratório também é uma boa referência pois cruza com a São Lucas.Sem couvert ou consumação mínima.

CACHAÇARIA ARMAZÉM MINEIRO:
Viela das Lavadeiras, Rua Nossa Senhora do Rosário, nº 40. Embu das Artes Reservas: 11-74996624 (Eliana) ou 11-81796876 (Giba)

BAR LUA NOVA
R. Conselheiro Carrão, 451 – (esquina com a 13 de maio) - BixigaReservas fones: (11) 3253-1609 / 3284-3350


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