Bandas de 'rock caipira' fazem sucesso com mistura de sons
Inspirações vão de Metallica ao mestre da viola Tião Carreiro.
Ao lado de guitarras, baixos e baterias, o ponteado da viola.
Pode chamar de rock caipira, rock´n roça, viola turbinada ou         música caipira contemporânea. Nem as bandas sabem direito como         definir esse gênero musical que mistura os acordes da guitarra         com o ponteado da viola. Quem descobriu que a fusão dá certo faz         sucesso pelo Brasil com canções que falam da vida no campo e na         cidade. Da democrática mistura, sai até versão de Jimi Hendix no         som da viola.
     
       Os especialistas no assunto calculam que roqueiros         e violeiros começaram a unir arranjos na década de 1980. Músicos         sobem aos palcos com o tradicional cabelão e a camiseta preta,         mas o chapéu do sertanejo e a camisa xadrez também ganham vez.         Violeiro da banda Matuto Moderno, Ricardo Vignini, 35, diz que o         começo foi estranho. "Éramos muito rock para o caipira e         muito caipira para o rock". 
Depois de dez anos do grupo paulista, o músico garante que a mistura deu certo. Segundo ele, foi preciso vencer primeiro o preconceito dos roqueiros. "O preconceito surgiu no início com o pessoal do pop. São muito caretas", alfineta Vignini, que cita Tião Carreiro, Índio Cachoeira, Almir Sater, Tonico e Tinoco, considerados mestres da viola, e os clássicos Led Zeppelin e Metallica como inspiração.
Sotaque marcado
        Eclético? Pode ser, mas é dessa aparente diferença         que surgem versões como "Voodoo Child", de Himi         Hendrix, em um solo de viola de Vignini. Para quem acha que isso         é o máximo, o músico até brinca. "O ponteado do Tião         Carreiro tem a mesma energia do Jimi Hendrix". E completa:         "o cara que vai tocar viola tem que conhecer os ritmos         tradicionais antes de cair no rock para tirar os melhores         resultados. Depois disso você faz as fusões", ensina ele,         que toca com outros quatro amigos.
     
       Na noite de quarta-feira (12), o         G1 acompanhou o ensaio da banda em um estúdio         na Zona Sul de São Paulo. O vocalista e guitarrista é Alex         Mathias. Quando introduz os primeiros acordes de uma música         podemos pensar que vem rock pesado por aí. Mas ele lança o         'vozeirão' para falar de um caipira que não tem modos,         mas tem moda, como na música "Velha Praga". Carrega no         sotaque. Na voz dele, malvada vira 'marvada'.
     
       Para Mathias, o Matuto Moderno "venceu         resistências" e, hoje, agrada fãs de diferentes gerações.         "Temos uma situação engraçada: a avó veio comprar o disco         para presentear o neto. É uma coisa que passa do pai para o         filho e o neto. A gente consegue atravessar essa questão do         tempo e não é uma característica comum de banda, a menos que         você pegue aí os dinossauros", conta o vocalista,         referindo-se às mais antigas.
     
       No figurino das apresentações, nada muito         sofisticado. "Estamos mais para caipira. Usamos colete e         chapéu", diz, rindo. O clima de um interior um tanto         contemporâneo fica evidente quando os dançarinos da catira         (típica do folclore brasileiro) acompanham a banda com batidas         de pés e mãos. 
Vignini: "O ponteado do Tião Carreiro tem a mesma energia do Jimi Hendrix" (Foto: Tiago Marconi/G1 )
De Beatles a Beethoven
       
       Com quatro anos de carreira, a banda Charme Chulo         se orgulha de ter tocado nas "principais capitais do         país" canções que mesclam "rock inglês dos anos 80 e         música caipira de raiz". O quarteto de Curitiba resolveu         compor a partir de influências bem diversas: David Bowe,         Beatles, os brasileiríssimos Tom Zé e Chico Buarque, além de         Ramones, Mozart e Beethoven.
     
       "A idéia (de formar a banda) era unir a         originalidade e a influência por algo nacional. Assim como a         MPB, a música caipira é única no Brasil", afirma Leandro         Delmonico, 24, violeiro e guitarrista do Charme Chulo. A vontade         de conhecer as canções do interior veio por causa do avô.         "Foi como um despertar. Ele tocava acordeão e viola".         Ele também admite que a fusão, a princípio, causou espanto.
     
       "Misturamos os sons para o público rock ouvir         música caipira, para valorizar as coisas daqui", afirma         ele. Fã de Tião Carreiro, o jovem paranaense não titubeia em         dizer que ele é "o nosso Bob Dylan" e revela que, para         ter sucesso no meio, foi preciso inventar. "O rock é         ousadia. Junto com a música caipira choca porque você está         invadindo um estilo. Ninguém vai despertar a curiosidade sendo clássico". 
Na sala de aula
       
       Quem vibra com esse despertar é o professor Ivan         Vilela. Apontado como um dos mais consagrados violeiros do         Brasil, será responsável pelo curso de viola caipira, que começa         em 2009 na Universidade de São Paulo (USP). Ele pensa em levar         para a sala de aula toda essa mistura musical. "Acho isso         maravilhoso porque nenhuma maneira purista de pensar o         instrumento se justifica".
     
       Para ele, todos os caminhos da música levam         "ao enriquecimento da cultura popular" e, em alguns         casos, o tão urbano rock pode ser a porta de entrada para o         mundo caipira brasileiro. "Tenho reparado que muitos jovens         da viola turbinada chegaram a ela pelas vias do rock",         conta Vilela.
     
       Ao contrário do que sentiu Ricardo Vignini, do         Matuto Moderno, o professor diz que o preconceito "veio dos         caipiras". "Eles acham que a viola é um instrumento só         rural, mas antes de tudo foi urbana e era tocada no Recife, em         Salvador e no Rio de Janeiro (a partir do século XVI)",         explica. Na 'briga' entre viola e guitarra, Vilela         aposta no empate. "É uma feliz fusão".
 
                