Desde sempre os cantares populares sempre fizeram parte de minha vida: as Folias, as cantorias que sempre tinham vez em nossa casa, até que circunstâncias econômicas nos forçaram a fazer parte das levas de agricultores saídos do campo para a Capital.

A arte popular é mais que entretenimento – embora seja esse o objetivo primeiro. Nas comunidades mais simples, não massificadas e dominadas pela gigantesca onda consumista, o artista – cantor, pintor, artesão, poeta - era simplesmente mais um membro da comunidade, dotado de certos dons. A arte era um partilhar, expressão de uma capacidade que nos parecia segura e inalienável: trocar experiências. Até mesmo a comunicação com o Divino era direta, sem intermediários. A evolução cultural e tecnológica primeiro retirou do Homem a capacidade de comunhão direta com Deus, criando as figuras dos Sacerdotes; por fim tornou possível a eliminação da necessidade de comunicação direta entre as pessoas; o telefone, o email, etc., tornam desnecessária a comunicação direta e ao vivo. Não se trata de julgamento contra ou a favor da tecnologia: as vantagens são inumeráveis, nos faz ganhar tempo, idéias e notícias circulam rapidamente. Porém, como grande parcela da humanidade tem vocação sedentária, nos acomodamos a tais facilidades, nos afundamos em compromissos e terminamos por perder contato uns com os outros: fico meses, até anos sem ver amigos que moram a poucas léguas de minha casa!

Como medir o que é essencial e o que é supérfluo? Esta resposta “não está soprando com o vento”, mas se encontra dentro de nós mesmos: a experiência direta do viver é uma ferramenta básica. Lembro-me de uma frase atribuída a Hemingwey: “a literatura tem mais valor quando gerada a partir da vivência direta.”
Volto, então, ao tema do “artista” e seu papel na sociedade: o verdadeiro artista popular não é o ser apartado, elevado à condição mitológica de estrela, com características sobre-humanas; seu ofício é divertir, sim, mas também ensinar, dividir com todos da comunidade o que generosamente recebeu da mesma, através das tradições, da história de cada lugar, das experiências por todos compartilhadas. O artista diverte, mas ensina, é o ponto de intersecção entre os membros do grupo. O artista popular é sempre aquele que estabelece como diretriz a comunhão permanente com suas origens – sem naturalmente abdicar da procura pelo novo, pois tradição não é fossilização; é vida e movimento. Lembrando Pablo Milanês, traduzido por Dércio Marques:
“Pobre do cantor que não se afirma
que não mantém seguro
seu proceder com todos”
Mestre de reisado, José Pereira Lima

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Deverá ser lançado brevemente o novo disco de Kátya Teixeira, "Feito de Corda e Cantiga" – aguardem o anúncio oficial por parte do Zé Maria, memorialista do ser-tão paulistano, membro do staff da cantora, pesquisadora, instrumentista e eterna musa do ser-tão.
Sem delongas, segue a dica: vale a pena. Aos que já conhecem seu trabalho saibam que ela segue um rigoroso itinerário que de certo modo complementa as etapas iniciadas com Katchêrê e Lira do Povo. Katya Teixeira é uma artista que traduz o sentimento de síntese, estabelece uma real e instantânea comunicação entre a artista e quem a ouve: ora, o cantar mestiço, a índia, a negra, a guerreira do canto forte; ora, a delicadeza da voz cristalina e harmônica. É sempre o cantar que emociona, vibra, em cada célula do seu sere toca a todos em volta: canto de suor, de sangue, de alegria
