DUETO DE ANJOS

Uma tarde, rara tarde em Sampa, em que o silêncio prevalece. É sábado, o que pode explicar alguma coisa.
Escolho um disco, gira na vitrola. É música brasileira, que predomina na minha "hit parade" pessoal, apesar de não dispensar a boa música, venha de onde vier. A boa música, aquela que fala diretamente ao espírito, não tem pátria, apesar de geralmente falar da aldeia, do rio da aldeia.
O disco, escolhido por feliz acaso, é "Dança das Rosas", parte da trilogia Amarela, de Consuelo de Paula. No silencio da tarde, rompido por voz e acordes harmoniosos, outro, outros mundos paralelos, repletos de cores e saberes. Nesta hora musical, atenção a Minas Gerais: logo depois da mineira Consuelo, vou ouvir a meio-mineira-paulistana-alagoana Katya Teixeira. Nisso, ouço outra voz juntar-se a de Consuelo: chega da janela aberta, mais precisamente de uma mangueira, onde uma misteriosa Sabiá costuma me brindar as manhãs e as tardes com seu belo canto. Uma única vez vi o cantor (ou cantora?) misterioso(a), cujo registro fotográfico segue abaixo.
Descrever a "cena" é uma tentativa insuficiente de dizer o que realmente aconteceu, como me senti. A mistura das vozes da cantora e do pássaro, mais os violões, tambores, violas, flauta, clarinete, sanfona, etc., é o que tipicamente se pode evocar como "indescritível". Como narrar, como descrever? Palavras não bastam, apesar de ser, ainda, o meio mais usual de comunicação que temos à disposição. O ideal seria ter gravado e simplesmente mostrar, sem uma única palavra. Na ausência de um bom gravador, ocorreu-me na hora, uns versos, pálida tentativa de relatar a Beleza da parceria vocal de Consuelo de Paula e a Sabiá!
o canto do anjo detém
o pássaro em pleno voo.
A asa trêmula pousa
acolhe a melodia
e a devolve reinventada.
O ar se petrifica
com o canto dos seres iluminados.
Na atmosfera ressoa
o frêmito ondular
da música
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