2019 poderia ser definido como “um ano Sisifo”, parafraseando o livro do
pensador e educador francês Edgar Morin, lembrando o mito grego do Herói
amaldiçoado pelos deuses e condenado a levar uma pedra enorme até o alto de uma
montanha, de onde era novamente atirada para baixo, obrigando o pobre homem a
recomeçar o trabalho eterno e inútil...
Mas seria um exagero assim nos sentirmos depois de tanta
luta. E uma injustiça para com um povo tão especial como o nosso, um povo que com
raça e graça é capaz de a tudo transformar, inclusive fazer pilhéria com as
próprias tragédias, não havendo nisso qualquer tom desrespeitoso para com o
sofrimento. Essa atitude de perene e mesmo suave desafio ante as intempéries é
um sentimento para o qual os cientistas sociais não encontram explicação
plausível: provavelmente trata-se de uma força instintiva muito poderosa que
nos atira para a frente: uma “força estranha” no ar tropical, como diz a velha
canção, capaz de superar as ambigüidades que nos surpreendem a cada esquina. E
ao fazer um balanço, temos de reconhecer que 2019 foi um ano ao fim das contas,
positivo, pois realizamos grandes feitos, notadamente no plano sócio-cultural.
Nós, do blog ser-tão paulistano, ao final de ano, também
fazemos nossos balanços e avaliações. A grande imprensa, em geral, elegem os
melhores do ano, as figuras mais representativas nas artes, nos esportes, nas
ciências, na política, etc. O blog também se dedica a eleger seus melhores, mas
com viés diferente do comum.
Seguindo a tradição de divulgar quem não tem espaço na grande mídia, nossa
“seleção” procura destacar entidades ou personalidades que de alguma forma
fizeram e fazem algo de positivo em prol da imensa comunidade que é a cidade de
São Paulo. Antes de prosseguir, breve reflexão do que significa ser tão
paulistano:
- “Ser Tão Paulistano” é um privilégio e também uma
condição especial, a de fazer parte dessa megalópole que acolhe e convive com
pessoas e culturas de todas as procedências; “ser tão paulistano” faz parte de
nossa índole desde os primeiros tempos, desde os primórdios de nossa formação
histórica independente de quaisquer critérios como política, raça ou religião.
Nossa “seleção dos melhores” não evoca disputas, é
puramente simbólica. É uma abordagem afetiva e de reconhecimento pelo que
alguém faz de especial; e justamente por isso desvinculada de hierarquias:
os inclusos no TOP DEZ tem igual valor.
O primeiro mencionado pode ser o décimo e vice versa.
A ordem é
aleatória. Se representássemos graficamente, seria uma ordem, digamos,
circular; dez figuras, individuais ou coletivas, famosas ou não, que tenham
realizado algo representativo e importante no geral e/ou no particular,
reprodutores de atitudes ou ações que contribuem para um mundo melhor, belo e
solidário. São valores intrínsecos, que resistem e insistem em tornar a cidade
acolhedora, humana. Isto é ser tão paulistano!
OSNI RIBEIRO NA FUNDAÇÃO KLABIN
Dois elementos aqui se juntam: o simpático e charmoso
espaço cultural da Fundação Klabin, localizado em frente ao MIS (Museu da
Imagem e do Som) e o violeiro Osni Ribero, de Botucatu. Ocorreu num sábado,
durante um evento sobre cultura caipira. Osni mostrou com a palavra contada a mesma habilidade e o mesmo
talento como instrumentista, cantor e
compositor, laureando a assistência com belas histórias, sempre evocando o
universo da música. De maneira simples, clara e didática, revelou do quanto a
história de um povo, de uma sociedade, de uma nação são misturadas aos
elementos do cotidiano, das crenças, dos costumes. Osni sabe o diz, ele que é
de Botucatu, onde foi Secretário da Cultura da terra que consagrou um dos
maiores ícones da cultura caipira – tornada um sinônimo do paulista: Angenor de
Oliveira, autor de Tristeza do Jeca.
O Espaço da Fundação Klabin, simples e aconchegante, tem
ares dos antigos saraus, com a peculiaridade de ser praticamente ao ar livre!!
FABIENNE MAGNANT NO I.J.C. (Instituto Juca de Cultura)
Outra menção dupla, o I.J.C. e a compositora, violeira e
violonista francesa Fabienne Magnant.
O
I.J.C. localizado na Rua Cristiano Viana, no Sumaré, foi criado para homenagear
o poeta mineiro, Juca da Angélica, um dos últimos representantes da tradição
oral, arte poética conservada unicamente na memória do artista, uma arte que
tende a desaparecer (dizemos “tende” desaparecer, mas essa afirmação não deve
ser levada ao pé da letra. Faz muito tempo que esse diagnóstico pessimista foi
decretado e no entanto, isso ainda não ocorreu. “Seu” foi um dos últimos, mas
acreditamos que esse gênero de poesia, pouco analisado e estudado, é imanente à
cultura humana e é muito possível que floresça sob outras formas de improviso).
Juca da Angélica a muito custo foi convencido
por seu amigo, o poeta Paulo Nunes – também mineiro, radicado em São Paulo -, a ter uma pequena
fração de sua obra registrada em livro.
Já a
francesa Fabienne retornou ao Brasil pelo segundo ano consecutivo, ela que no
ano passado encantou o publico em suas apresentações no SESC Consolação e SESC Jundiaí.
Desta feita deu luz a outros palcos, em Belo Horizonte e Brasilia, entre
outros. A francesa, de formação clássica e apaixonada pela viola caipira, pode
ser informalmente considerada embaixadora da viola caipira, apresentando esse
instrumento tão brasileiro ao publico europeu – a viola, sempre é bom lembrar,
tem origens européias, chegando ao Brasil com os primeiros colonizadores. Mas
foi aqui que foi transformada no que é atualmente, tendo nas últimas décadas
alcançado cada vez mais publico, uma vez que tem se revelado um instrumento
muito versátil. A própria maneira de tocar de Fabienne o demonstra. Latinidades,
brasilidades, africanidades, tudo se mistura na alquimia musical de Fabienne,
uma visitante de vários mundos, que ela equilibra com rara habilidade e
sensibilidade.
Ventos
e pássaros trazem noticias de prováveis parcerias ligando
Brasil-França-Portugal-Espanha. A esperar e torcer por essa nova aventura da
viola brasileira pelo mundo, dignamente representada pela francesa de Orlèans,
descendente de ciganos.
PREMIO GRÃO DE MÚSICA
O prêmio Grão de Musica
é dos eventos mais simpáticos e gratificantes que existe atualmente no mundo da
musica brasileira. Idealizado pela cantora e compositora Socorro Lira teve em
2019 sua sexta edição. É um espaço, por excelência, de promoção e divulgação da
cultura musical brasileira. Embora não ofereça prêmios em dinheiro, o Premio
Grão de Musica se consolida cada vez mais, pois sua proposta é mapear a Arte Essencial produzida nos mais
distantes rincões do Brasil. O evento, a premiação, os depoimentos, tudo é um
maravilhoso e comovente espetáculo de reconhecimento pelo que muitos fazem pela
cultura, pela paz, com isso conduzindo todos rumo à harmonia, tão necessária e
tão possível num povo tão intrinsecamente amalgamado culturalmente como o nosso
(a arte soberba de sua idealizadora, Socorro Lira, é o grande exemplo de como
isso é possível! Teria, mesmo, de ser ela a conduzir esse belo projeto. Mais
que um projeto, um ideal) . Os vencedores levam para casa um valioso troféu
criado por Elifas Andreato – que dispensa apresentações e por si dá o tom da
seriedade desse projeto, que merece ser melhor conhecido do grande público.
Socorro Lira
CANTA INEZITA
Mencionar, mesmo de longe e de leve “cultura caipira”, é
lembrar instantaneamente de Inezita Barroso, consagrada, felizmente ainda em
vida, como a Dama da Viola. Sua figura e sua obra estarão para sempre
registradas na memória de nossa musica, ombreando com outros ícones como Cornélio
Pires e Mario de Andrade. Em 2019 juntaram num espetáculo em sua homenagem
Consuelo de Paula, Maria Alcina, as Irmãs Galvão e Claudio Lacerda. Atenção
para os artistas, cada qual com propostas artísticas inteiramente distintas.
Por si, reflete a importância de Inesita que vai além, muito além do caipira. O caipirismo, diga-se, não deve
ser reduzido ao que se sabe dos rodeios de Barretos – não obstante sua
importância, inclusive econômica – e toda a parafernália e a estética que o
acompanha, lembrando mais um evento do tipo country.
O caipirismo é algo entranhado na alma do paulista e vai muito além de um estilo ou genero musical. Inesita captava isso como ninguém mais e um espetáculo juntando artistas de formação e atuação bem distintas, bem o demonstram.
O caipirismo é algo entranhado na alma do paulista e vai muito além de um estilo ou genero musical. Inesita captava isso como ninguém mais e um espetáculo juntando artistas de formação e atuação bem distintas, bem o demonstram.
O projeto rendeu um CD, registro memorável, pela gravadora Kuarup!
Consuelo de Paula, Maria Alcina, Claudio Lacerda e as Irmãs Galvão
MARYAKORÉ, CD DE CONSUELO DE PAULA
Um dos trabalhos mais esperados e surpreendentes do ano:
o disco “rústico” da delicada Consuelo de Paula. Maryakoré é um mergulho
radical e vertiginoso nas origens da formação brasileira, um marco na carreira
da artista. Um trabalho que igualmente convida o Brasil mergulhar em si mesmo, reafirmando
sua identidade. Consuelo de Paula revisita as culturas formadoras de nossa
identidade e faz mais: restitui, reconstrói.
Maryakoré é uma junção de palavras, de nomes, de símbolos.
A voz de Consuelo, seu violão, mais do que nunca tornado seu parceiro, mais a
percussão de Carlinhos Ferreira e as intervenções pianisticas de Guilherme
Ribeiro fazem ressoar vozes esquecidas que assim ressurgem como um poderoso
Coral invisível. O lançamento oficial do CD será em 24 de janeiro de 2020, no
Auditorio do Ibirapuera.
Mais:
CHÃO – UMA AVENTURA VIOLEIRA, DE PAULO FREIRE
Nos anos 2015 e 2016 os violeiros Paulo Freire e Levi
Ramiro realizaram uma impressionante série de 120 shows por todo o Brasil,
dentro do Projeto Sonora Brasil, bancado pelo SESC. Uma viagem seguramente
inspirada no exemplo de Mario de Andrade, lá nos distantes anos 20. Rápido e
certeiro, seja no manejo da viola e na habilidade de contar “causos” – Levi Ramiro
não fica atrás, daí ter sido a dupla perfeita para desvendar, à lá Alvarenga e
Ranchinho, esse Brazilzão – a transformação em livro foi uma grata surpresa,
revelando que, quase um século depois da aventura de Mario de Andrade, ainda
existem aspectos do Brasil e seu povo que a maioriade nós – mesmo os instruídos
- desconhece.
Paulo Freire e Levi Ramiro
ESPAÇO CULTURAL
ALBERICO RODRIGUES
Localizado na mítica Praça Benedito Calixto, em Pinheiro,
um dos mais efervescentes centros de cultura de rua da cidade de São Paulo, o
Espaço Alberico Rodrigues – misto de sebo/alfarrábio, café, livraria, espaço
para cursos de arte, teatro, palco musical – é o resultado da perseverança e da
fé do professor, escritor e restaurador de obras raras Alberico Rodrigues, que
assim encontrou a maneira perfeita para difundir seu enorme cabedal cultural e
acima de tudo, seu imenso amor pela Arte. ALberico e seu “espaço” desafiam a
lógica reinante nos meios culturais ao priorizar qualidade e autenticidade, sem
nenhuma perda. É o que se pode chamar, literalmente, “casa de cultura”!
Conheci o Espaço Alberico por ocasião da pasagem por São
Paulo de meu amigo Walter Lajes, cantador, violeiro e compositor, que por lá
deu a luz de sua arte.
O BLOG BARULHO D'ÁGUA
E por falar em amor e perseverança em prol da Musa Arte,
sempre é tempo de lembrar o blog Barulho d’Água, conduzido pelo jornalista
Marcelino Lima com a grande colaboração de Andréia Beillo. Bem escrito, bem apresentado e sobretudo,
grande dotado de grande dose de coragem e dedicação, certamente é atualmente o
mais atuante espaço de divulgação da musica independente brasileira.
VALDIR VERONA, RAFAEL DEBONI E LUCIO YANEL: CCBB EM FESTA
No começo e outubro, a cidade de São Paulo recebeu de presente do Centro Cultural Banco do Brasil o projeto CCBB em Festa, localizado na Rua Alvares Penteado,
centro velho de São Paulo, com a presença de significativos artistas das mais
diferentes regiões do Brasil. Por lá estiveram, entre muitos outros, Viola
Quebrada, do Paraná; Silvan Galvão e Carimbloco, do Pará; Cia Brasilica; Deca; Madureira; Cassuarinas, Adriana Farias, etc.
Foram muitos os grandes momentos, mas escolhemos como
destaque a presença do Duo Viola & Acordeon, dos gaúchos Valdir Verona e
Rafael DeBoni, mais a presença forte e iluminada do argentino radicado no Rio
Grande do Sul, Lucio Yanel. Se Verona e DeBoni cumprem com maestria a arte de
juntar num mesmo palco esses instrumentos conhecidos por todo Brasil,
divulgando a incrível versatilidade com que se adaptam às linguagens musicais
correntes, Lucio Yanel é um vivaz exemplo de como os ritmos genuinamente
populares possuem o raro dom de encantar e igualmente promover e a paz e a
harmonia entre povos: dos campos pampeanos às alturas incomensuráveis dos
Andes, do cerrado à floresta Amazônica: ouvindo e assistindo a esse maravilhoso
trio, percebemos o real significado do termo Irmandade! E do quão somos inter-dependentes,
enquanto povos. E isso é bom!
“SEU” DODÔ & CELSO, ENSINANDO A CORRER
A Equipe Jabaquara de Corridas e seus mais de 300 membros
são exemplo de amor ao esporte, mas acima de tudo, exemplo da arte de construir
modos de bem viver. Embora tenha na equipe grandes campeões, o foco primeiro
das atividades da equipe é a busca de uma vida saudável, dentro das
dificuldades de se praticar esportes por essas terras tropicais. Se o discurso
dos políticos e administradores públicos é de incentivo à pratica esportiva, a
realidade é muito diferente. A conquista do “espaço público” em prol do cidadão
e da cidadã, de qualquer idade, tipo físico ou condição social, ainda é uma
quimera, longe de ser alcançada.
São exemplos como o de Valdomiro Coccato, que aos 79 anos
comparece as terças, quinta feiras e sábado nas dependências do Jardim Botanico
reservadas à pratica de caminhada e corrida, que nos estimulam a jamais
desistir. Fazendo dupla com Valdomiro, conhecido por todos como “seu” Dodô, lembremos
o entusiasmado mestre Celso Eduardo lopasso, apaixonado por
esportes. Nada é capaz de fazer o meu amigo, o “velhinho” Celso, desistir por
um momento que seja, da prática esportiva: nem cirurgias cardíacas, nem
atropelamentos, nada! Muito menos chuva!
Mais do que técnicos de pedestrianimo, Dodô e Celso são
verdadeiros Apóstolos da busca de uma vida saudável.
Celso, "seu" Dodô e Carlos
MENÇÃO HONROSA:
- Kátya Teixeira e o Projeto Dandô - Circulo de Musica Dércio Marques;
- para O Bar do Frango, do Tatau, um simbolo de resistencia cultural, há mais de duas décadas;
- Para a gravadora Kuarup, na figura do produtor Rodrigo Zanke.
- Kátya Teixeira e o Projeto Dandô - Circulo de Musica Dércio Marques;
- para O Bar do Frango, do Tatau, um simbolo de resistencia cultural, há mais de duas décadas;
- Para a gravadora Kuarup, na figura do produtor Rodrigo Zanke.