BREVE NOTA SOBRE SEBASTIÃO TAPAJÓS

Segue aqui uma pequena nota sobre Sebastiao Tapajós, um violonista brasileiro falecido no ultimo dia 02 de outubro  de 2021, aos 79 anos.

 Sem qualquer eufemismo, Tapajós deve ser reconhecido e chamado “o violonista do Brasil”. Inteiramente embebido na cultura amazônica, levou a Amazônia e o Brasil para o mundo. Ele pode ter sido aquele que melhor referendou o violão brasileiro. Tapajós era ele e era Garoto, João Pernambuco, Paulinho Nogueira, Laurindo Almeida, Dilermando  Reis para falarmos dos mais antigos e também era Carlos Barbosa Lima, Paulo Belinati, Ulisses Rocha, André Gereissati, Paulo Martelli, etc e etecetera. Enfim, Sebastião agregava os grandes mestres do passado e do presente ao mesmo tempo em que forjava o futuro, pois sempre fazia questão de retomar a tradição, a fonte inesgotável, o segredo de nossa vitalidade: nossa alma, nossa Terra Brasilis!


 

Ninguém foi tão a fundo nas raízes do nacionalismo musical brasileiro como ele. Nem mesmo Villa Lobos, cuja vida e obra se confunde com brasilidade; Tapajós não foi somente um interprete do Brasil e dos seus ritmos, os quais conhecia admiravelmente. Ele mesclava técnicas que pareciam  resumir todas  de todas as escolas conhecidas e ainda havia espaço para improvisos que ele exercitou ao longo da carreira com inúmeros parceiros. O disco Xingú, com Pedro dos Santos (que mudou o nome para Pedro Sorongo) e Djalma Côrrea é para ser estudado nas escolas de música do país. 

Voos e mergulhos vertiginosos, explorando todas as possibilidades timbristicas Ou isso ou não seria acaso ter  assumido o sobrenome artístico  “Tapajós”, que imediatamente o liga à sua Amazônia e seus mundos de magia e encantos -cuja integridade se tornou crucial para o futuro do mundo. Como bom caboclo conhecedor dos mistérios dos mundos de matas e águas, tudo fazia sem alardes, no tempo medido, sem exagerar uma grama do virtuosismo que lhe era tão natural: virtuosismo para ele não era um mero enfeite, artifício de brilho efêmero; apenas o executava quando se fazia necessário  expressar sua linguagem, musical e assim, executado naturalmente, se revelava simples e belo. 

Uma boa mostra do que era capaz Sebastião Tapajós pode ser observada na sequencia das faixas 04, 05 e 06 do disco “Sebastião Tapajós Lembrando Dilermando Reis”. Desfila Odeon, de Ernesto Nazareth (04), Sonhos de Amor de Franz (Ferenc) Liszt e Catirimbó, de sua autoria. É como se todo o passado histórico do instrumento nos fosse mostrado, sua vocação popular (Nazareh), seu destino lírico (Liszt) e, porque não?, aponta para o futuro ao mergulhar no folclore do Catirimbó! Ora, desde Villa-Lobos que logrou dizer que chegava a Paris para mostrar sua música brasileira, que nós mesmos somos lembrados que nosso futuro está calcado, fundamentado, nas nossas mais profundas raízes.  Citemos essas três faixas, mas poderiam ser outras tantas em qualquer de suas dezenas de discos lançados oficialmente; essas três faixas, simbolicamente, são exemplares: quem mais, senão quem adicionou Tapajós no nome, denunciando sua origem Amazônica, tinha autoridade para alçar o samba tradicional das escolas de samba junto a minuetos? Juntos, Noel Rosa e Boccherini? Naturalmente, Villa Lobos. O espírito brasílico inserido na música universal, com toda força, pujança e emoção. E, como mencionado acima, sem alardes. Discreto e impecável, assim era Sebastião Tapajós.


 

A transição de Nazareh a Liszt é uma porta entre tantas que se abrem e que tornam indiscerníveis as fronteiras entre o erudito e o popular, se porventura alguém duvida disso.  Catirimbó, do próprio Tapajós é um arremate descarado, a dança indígena misturada a uma espécie de baião e por momentos lembra um lundú (que nada mais era que a dança africana adaptada aos salões da Corte). O nome “Catirimbó” remete ao quimbundo “kirimbu”. Tapajós promoveu um inusitado encontro entre Ernesto Nazareh, Liszt e dança afro-indígena, mas poderíamos estar falando aqui de Gaspar Sanz, de Bach, de Dorival Caymmi, de Joaquim Rodrigo, de Atahualpa Yupanqui ou de Gonzagão; de minuetos, malambos, lundus ou samba de roda.

Nascido Sebastião Pena Marcião, incorporou “Tapajós” e todo o Amazonas, todo aquele manancial de águas, lendas, terras, mitos, árvores e as gentes que o compõe, fazendo vibrar de modo harmônico, solene e ao mesmo tempo vibrante. 


 Ao longo da vida, lançou uma quantidade impressionante de álbuns. Ao fim do texto tem uma lista, mas a mesma não considera versões piratas dos discos (o  CD  "Sebastião Tapajós grabado en Buenos Aires, vol 2”  não consta na discografia oficial). Não conheço outro violonista que tenha lançado tantos discos, com provável exceção de Túribio Santos e/ou Laurindo Almeida. 

 


Sua figura miúda, a cabeça aparentando ser desproporcionalmente maior em relação ao corpo, era uma verdadeira caixa de ressonância, sempre aberta a novas parcerias e novas estéticas, convivendo com parceiros que faziam parte de um enorme arco, reunindo gênios do calibre de Piazzola, Gilson Peranzzetta, Gerry Mulligan, Hermeto Pascoal, Fafá de Belém, Nilson Chaves. Viajou nundos, Europas e Américas, mas o estado brasileiro do Pará sempre foi seu porto seguro, o lugar, o ponto, o polo irradiador  de sua enorme Arte que se expandia para os quatro cantos do mundo. Seu último disco oficialmente lançado, “Violões do Para”, em parceria com Salomão Habid e jovens alunos e professores de violão do Pará.

Das dezenas de discos lançados, escolho para representá-lo o álbum “Terra Brasis”, de 1989. “Terra Brasis”, como diz o nome, é múltiplo. Condensa nossa história nas seis cordas de um violão e a maneira como ele “conta” resumidamente a história de nossos ritmos, é como se “falasse” para as gerações futuras. Uma revelação do Brasil profundo dialogando com o Brasil do litoral, da pampa e do sertão: temas infantis (Crianças da Minha Terra, Brinquedos Para o Junior); festas gaúchas (Rancheira Gaúcha); o Rio urbano (Bonde das Seis); a efervecência baiana do Pelourinho; ecos medievais em Olinda; o folclore em Pererê, Repentes, passeando Pelos Igarapés da Amazônia. E culmina, como num ritual de brasilidade, numa execução do Hino Nacional Brasileiro. 



 

Termino essas breves notas, esperando que não demore muito a vir a lume uma biografia bastante vistosa desse gênio da raça brasileira. Por ora, só podemos dizer: obrigado por tudo o que fez por nós brasileiros, Sebastião Tapajós.



 

 

·  Apresentando Sebastião Tapajós E Seu Conjunto (1963)

·  Violão e Tapajós (1967) Philips LP

·  El arte de la guitarra (1971) Trova LP - RP music (Argentina)

·  Sabastião Tapajós - Pedro dos Santos (1972) Trova LP - RP music (Argentina)

·  Sebastião Tapajós - Pedro dos Santos vol.2 (1972) Trova LP - RP music (Argentina)

·  Clásico (1973) Trova LP - RP music (Argentina)

·  Sebastião Tapajós - Maria Nazareth - Arnaldo Henriques (1973) Trova LP - RP music (Argentina)

·  Bienvenido (1973) Tapajós LP

·  Guitarra Fantástica (1974) RCA (Alemanha) LP

·  Guitarra Latina (1975) LP

·  Terra (1976) LP

·  Sebastião Tapajós (1976) APF LP - RP music (Argentina)

·  Clássicos da América do Sul (1977) LP

·  Guitarra & amigos (1977) LP

·  Xingu (1979) LP

·  Violão & amigos (1979) RCA Victor LP

·  Sincopando/Zimbo Trio convida Sebastião Tapajós. Sebastião Tapajós e Zimbo Trio (1982) Clam LP

·  Guitarra criolla (1982) RCA Victor LP

·  Todos os sons. Maurício Einhorn & Sebastião Tapajós (1984) Barclay/Ariola LP

·  Rostos da Amazônia [Poemas de João de Jesus Paes Loureiro/Músicas de Sebastião Tapajós] (1985) Phonogram LP

·  Visões do Nordeste (1986) L'Art Prod./Independente LP, CD

·  Painel (1986) Visom LP

·  Villa-Lobos (1987) L'Art LP

·  Lado a lado. Gilson Peranzzetta e Sebastião Tapajós (1988) Visom LP, CD

·  Brasilidade. Sebastião Tapajós e João Cortez (1989) Visom LP

·  Terra Brasis (1989) L'Art LP

·  Reflections. Gilson Peranzzetta e Sebastião Tapajós (1990) CD

·  Instrumental no CCBB. Sebastião Tapajós, Gilson Peranzzetta, Maurício Einhorn e Paulinho Nogueira (1993) Tom Brasil CD

·  Encontro de Solistas (1993) Movieplay CD

·  Amazônia brasileira. Sebastião Tapajós e Nilson Chaves (1997) Outros Brasis CD

·  Afinidades. Sebastião Tapajós e Gilson Peranzzetta (1997) Movieplay CD

·  Ontem e sempre (1997) Movieplay CD

·  Da Minha Terra - Jane Duboc e Sebastião Tapajós (1998) Jam Music CD

·  Sebastião Tapajós interpreta Radamés Gnattali e Guerra-Peixe (1998) - CD Independente

·  Encontro com a Saudade (1998) - CD Independente

·  Lembrando Dilermando Reis (1999) - Bahamas CD

·  Do meu gosto. Sebastião Tapajós e Gilson Peranzzetta (1999) - CD Independente

·  Instrumental Caboclo (1999) - CD Independente

·  Solos da Amazônia (2000) - CD Independente

·  Solos (2000) - CD Independente

·  Acorde violão (2000) Universidade Estácio de Sá CD

·  Do Meu Gosto (2001) - CD Independente

·  Solos do Brasil (2001) - CD Independente

·  Choros e Valsas do Pará (2002) - CD Independente

·  Cristina Caetano interpreta Sebastião Tapajós & Parceiros (2010) - CD Independente

·  Sebastião Tapajós: Tempo de Espera (2010) - CD Independente

·  Conversa de Violões (2011) - Sebastião Tapajós e Sérgio Abalos - CD Independente

·  Cordas do Tapajós (2011) - Sebastião Tapajós e Sérgio Abalos - CD Independente

·  Suíte das Amazonas - (2012) - CD Independente

·  Painel (Remasterização) (2012) - CD Independente

·  Da Lapa ao Mascote (2013) - CD Independente

·  Aos da Guitarrada (2013) - CD Independente

·  Violões do Pará (2014) - Sebastião Tapajós e Salomão Habib - CD duplo


 

 

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